Clube das Comadres
Aproveitei a promessa de contar como foi a experiência de jantar moqueca de bacalhau num restaurante-antiquário e publiquei essa história na coluna de Hospitalidade e Gastronomia do Clube das Comadres.
Uma noite memorável oferecida por gente muito criativa e hospitaleira!
Bacalhau da Bibba, em Pirenópolis, Goiás
Pois bem, o tal do bacalhau da Bibba é a promessa que fiz no último post em que escrevi sobre Pirenópolis.
O lugar é desses pra gente se sentir acolhido, tantas são as peças bonitas que guarda, já que é um antiquário, e de bom gosto. Tem coisa igual a da casa da avó, da tia, da mãe da gente quando éramos crianças, e, muito garimpo de objetos eternos como são as obras de arte: quadros, esculturas, móveis de design datado, pratarias, lustres… Um pouco de tudo.
Segundo o dono, que não é o Bibba, é o Henrique, a mulher dele é que é a cozinheira e dá nome ao restaurante, eles vivem do antiquário. Mas, a ideia de transformá-lo também em restaurante se deu porque, durante cerca de cinco anos, os turistas de Pirenópolis não entravam na loja pra ver as antiguidades. Algum receio fosse talvez o motivo.
Comércios que não têm a porta escancarada pra rua e que, visivelmente, têm objetos de alto valor, muitas vezes causam constrangimento ao cidadão comum. A gente fica meio sem graça de entrar, o que é puro preconceito, mas sempre acontece. Dá aquela sensação de que a gente não entende do assunto e por isso não pode nem olhar. Bobagem! Mas é fato que os profissionais de marketing estudam direitinho esse comportamento de compras dos clientes e há estabelecimentos comerciais que perdem muito do dinheiro investido no negócio exatamente porque causam essa sensação nos seus potenciais consumidores. Só que não é esse meu foco. A história do Henrique é.
Ele amargou, portanto, cinco anos com o antiquário lá no mesmo local e sem público. Até que resolveu unir a experiência de cozinha da esposa, a Bibba, com os objetos e a mobília do antiquário que fica num ponto excelente, bem na rua principal do comércio turístico da cidade. Bingo!
Como é descendente de portugueses, decidiram que a especialidade da casa seria bacalhau. Outro ponto positivo a meu ver.
Criaram um cardápio enxuto com apenas seis pratos, todos feitos com bacalhau, ou seja, se você não come bacalhau não vai jantar ali. Isso restringe o público, mas é uma estratégia inteligente uma vez que, como sabemos, bacalhau é um produto caro e, só por isso, já implicaria em posicionar o restaurante num patamar alto.
O tempero da mulher é incrível, esse é outro diferencial. Assim como a ideia de jantar sentado frente a uma mesa antiga em perfeito estado, com louças, talheres e copos que são peças de muito bom gosto, tendo sobre a sua cabeça um belíssimo lustre de cristal, também garante ao cliente uma experiência das melhores.
Vantagem competitiva
Assim foi feito e vem dando certo, em especial depois de umas mídias no Guia 4 Rodas e na Vejinha de Brasília. Quem vai uma vez e gosta, conta e recomenda para os amigos, como eu faço agora.
Disse-nos o Henrique, tagarela e simpatia em pessoa, que agora, por ali, passam autoridades do Planalto Central, gente com poder de voto e veto em leis desse país. Os que visitam, voltam, porque a comida é boa e o ambiente agrada.
Aliás, a experiência não tem só a ver com a comida e o local. Tem a ver com a hospitalidade. Isso é o que mais encanta. Faz mesmo a diferença e não tem preço, tem valor!
Chegamos ao restaurante sem reserva e assim mesmo fomos bem recebidos. A porta de vidro que fica fechado foi aberta por uma mocinha simpática uniformizada sem frescuras com um avental do restaurante. Ela logo nos informou que ali só serve bacalhau, que não é necessário reserva e que podíamos ficar à vontade para visitar o antiquário. Pedimos o cardápio, que é simples, para dar uma olhada nos preços e, embora um pouco acima dos valores de outros restaurantes ali da mesma rua, nos pareceu razoável pagar aqueles valores para comer naquele lugar tão diferente, de aparência requintada e com aquela proposta de pratos.
Carta de vinhos
Escolhemos uma mesa e o que comeríamos: uma moqueca de bacalhau. Bem diferente, o prato mistura a especialidade portuguesa com o jeito e o tempero da comida baiana (não que a segunda não tenha total influência da primeira, mas um pouco inusitado).
Como eu pretendia tomar vinho, por prazer e desafiando as regras, escolhi um rosé, apesar do prato que, talvez, harmonizasse melhor com um tinto.
A carta de vinhos, principalmente portugueses, é até vasta, já que estávamos num pequeno restaurante de uma pequena cidade em pleno Cerrado brasileiro. Minha expectativa era de que não fosse haver opções para bolsos menos requintados do que os dos comprados de peças de arte em antiquário. Havia.
Enquanto aguardávamos o prato, olhando em volta, em várias fruteirinhas à venda, compoteiras, bombonieres e até numa grande ânfora antiga de vidro ou cristal com detalhes que parecem bordados dourados, vimos balas e bombons de diversos tipos e sabores. Ali, assim, dispostas as guloseimas prontas para serem devoradas. Depois entendemos o motivo. Já, já, eu conto.
A comida
Eis que chega a comida. A moqueca de bacalhau é não só de matar a fome como de tirar a barriga da miséria. Bem servida em quantidade, bem temperada, cheirosa e na temperatura exata que se espera que seja servida, ainda mais porque que vem em panela de barro pra mesa.
Um deleite! Comemos. Repetimos e sobrou mais da metade do prato. Levamos uma quentinha pro almoço do dia seguinte, que aquilo é prato que não se desperdiça. Se não comêssemos nós mesmos, alguém com fome a quem oferecêssemos na rua seria bem feliz com a iguaria. Coisa de relembrar por muito, muito tempo.
Diz um recorte afixado na parede do restaurante que a Bibba trabalhou na gravação do Sítio do Pica-pau Amarelo na Rede Globo e que sempre cozinhou bem. Certo dia, entrou num concurso de culinária e levou o primeiro prêmio com um bacalhau que hoje está no cardápio com o seu nome.
A moqueca foi criação dela que, em comemoração ao aniversário de seu casamento, inventou de moquecar o bacalhau. O marido gostou demais (como nós) e pôs no cardápio também. Sorte tem quem pode voltar lá várias vezes e provar todos os pratos. Devem ser escandalosamente saborosos.
Quando chegamos, uma só das outras mesas estava ocupada. São várias salas repletas de quadros, vasos, retratos, móveis, máquinas antigas, candelabros, enfim, tudo o que se vende numa loja de antiguidades. Enquanto ali ficamos as demais mesas foram se completando, mas sem confusão, espera ou demora. Parecia haver um certo equilíbrio entre o conforto oferecido e os quem têm coragem para entrar e dele usufruir. Quase mágica! Oferta e demanda em perfeito controle.
A história do baleiro
Voltando às balinhas, isso vem da sensibilidade e generosidade do Henrique, um homem cuja aparência indica cinquenta e poucos tantos anos. Quando criança ajudava a mãe a carregar as sacolas de compras de comida e cobiçava, como qualquer moleque, os doces do baleiro giratório da mercearia. Percebendo que o menino olhava os pirulitos, a mãe pedia ao dono da venda que lhe desse um. O homem assim o fazia, mas sempre anotava na conta da mulher.
História comum do garoto de poucas posses que cresceu e virou empresário. Agora ele tem também um baleiro que gira (com 18 tipos de balas diferentes!) e mais muitas balinhas e bombons sonhos de valsa, ouro branco e serenata de amor, que oferece de graça à molecada (e até aos marmanjos) que por ali passam. Diz ele que a prática de dar doces lhe confere dádivas de São Cosmo e São Damião. “Quanto mais eu distribuo, mais eu recebo!”, conta sorridente o homem de bigode grisalho em cujos olhos ainda se vê o menino.
O Silas ama sonho de valsa. Pois não é que o Henrique, desafiado a pegar um bombom que estava debaixo de muitos outros doces virou de boca pra baixo todo o conteúdo da enorme ânfora para alcançar o chocolate que o agradava?
Talvez por isso sentimo-nos mais contentes de ter estado naquele lugar, de termos comido aquela comida e bebido daquele vinho. Porque ganhamos balinhas e bombons e soubemos histórias… Agora temos essa história pra contar.
Na saída, depois de tanta comida gostosa, recebemos a recomendação para uma breve caminhada a fim de ajudar a digestão. Devíamos tomar um café expresso de primeira, no PédiCafé. Obedecemos e foi ótimo! Fechamos bem o sábado em Pirenópolis.
Crítica técnica
Quando a minha proposta é escrever sobre restaurantes, em geral, menciono a mise en place, a qualidade do serviço, o preço…, mas não é o caso deste caso! rsrs
Nessa noite, entramos despretensiosamente numa experiência que me rendeu a sensação de ter ido à casa de alguém amigo cuja esposa cozinha bem pra caramba. Se o cara vive de antiquário ou restaurante, desejo a ele que ambos deem certo sempre. Simples assim, só porque, nesse dia, eu construí uma memória afetuosa e isso é o que vale.
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Serviço:
Antiguidades e Restaurante – O Bacalhau da Bibba
Rua do Rosário, 42-A (rua do Lazer) – Centro Histórico – Pirenópolis – GO
tel. 62 98600-2104
Pé di Café
Rua Aurora, 21 – Centro – Pirenópolis
Tel. 62 3331-2183
Leia também:
Clau,
Giovana e eu sempre tivemos vontade de conhecer o Bacalhau da Bibba, mas, pelos mesmos motivos citados por você, sempre adiamos a visita.
Lendo sua publicação, me deu muita vontade! Em nossa próxima viagem à Pirenópolis, certamente passaremos por lá.
Um abraço e obrigado por compartilhar o belo texto.