Não há tristeza nessa vida que uma boa canja de galinha feita pela mãe ou a avó não diminua.
Eu, na minha vida toda, quando estive triste, de tristeza profunda, de perda, de solidão, de traição, de injustiça e de depressão, sempre pude contar com um bom prato de sopa que me trouxe momentos de aconchego, carinho e acalanto. De mãe, principalmente.
Lembro-me que, logo depois que minha avó Angelina morreu, meu tio Aldemir, filho dela, fazia canja de frango todas as tardes para que bem no início da noite, na hora da novela das seis, a sopinha estivesse pronta, cheirosa como ela só.
Ele desenvolveu uma técnica própria e o caldo que fazia era espesso, não um caldinho ralo de hospital. A canja era bem amarelinha, quase laranja, grossa da cenoura e da batatinha batidas no liquidificador para espessar o caldo, tinha o arroz molinho e o frango em fiapos, além de miúdos: coração, figado e moela tenros e bem cozidos.
Não era claro para o meu tio que ele tinha poderes mágicos, alguns podem chamar de bruxaria, e que no seu caldeirão (ou panela de pressão) ele cozia afeto, delicadeza e cuidado com as pessoas da família. Ele andava triste, disso eu sei, e a alquimia da sopa o fazia arrefecer a dor e a falta que a minha avó fazia para todos nós.
Lágrimas pelo Brasil
Hoje, o Brasil parece aliviado. Apesar da noite passada em claro, como as dos velórios em cidades como Itu, o país sente o mesmo alívio das famílias quando retornam do cemitério após enterrarem seus mortos. Depois de deixar para a terra seus entes queridos que se foram depois de anos de sofrimento, doentes, moribundos, débeis e já sem condições de continuar nessa luta insana que é viver.
Apesar do alívio e dos fogos de artifício (desde às 6h35 a cada pouco vem uma rajada ecoando por São Paulo) que simbolizam a vitória, como numa última partida do campeonato brasileiro, há também uma dor profunda na alma de muitos cidadãos.
Há também, hoje, os que se sentem roubados em seu sonho de democracia, vilipendiados em sua luta por igualdade de gênero, destituídos de sua cidadania, desacreditados definitivamente de uma possível justiça cega e de julgamento justo e humano.
Apesar de essa ser uma dor profunda, ela não traz consigo a clemência que traz a morte. Por essa dor não somos acalentados. É melhor não falar dela porque ao lidar com isso em público podemos ser confundidos com petistas, esquerdistas, criminosos. Não nos perdoam as lágrimas porque não é de bom tom que escorram nos nossos rostos lágrimas no meio do dia, como nos é permitido quando perdemos alguém que amamos. Mas nem por isso a dor não existe, ela está ali, presente! No peito. Na sua alma cidadã!
Eu tenho chorado pelo Brasil nos últimos tempos porque vivemos um momento devastadoramente triste. Chego a sentir inveja dos alienados porque eles, nem de longe, sabem porque eu sofro.
Pela primeira vez, declaro que me sinto envergonhada pela arrogância demonstrada por muitos de meus conterrâneos paulistas, por sua postura nefasta, segregadora, ímpia, burra e egoísta. Também lamento o degradante espetáculo produzido por colegas de profissão na Imprensa nos últimos meses, no mínimo, a atuação foi chocante para quem jurou honrar os princípios da justiça e da democracia.
Como pessoa toco a vida pra frente, que não me resta outra saída, mas como cidadã, sofro de uma dor de quem vê muita erva daninha instalada numa plantação que demoramos tanto tempo cultivando para que pudesse começar a germinar.
Vivemos um tempo em que falta cordialidade, zelo e empatia. Acusamos o outro, mas não olhamos a nossa atitude diária, nossos pequenos e grandes delitos.
Hoje, o Brasil, como eu nos dias tristes, merece uma tigela fumegante de uma boa canja de galinha, daquelas da avó, que alimenta o corpo, acalma e enternece o coração e dá coragem. Isso para nos ajudar a ter uma boa noite de sono depois de tanta turbulência e especulação. Amanhã, voltamos à luta por um lugar melhor, mais honesto e verdadeiro, apesar do futuro cinza que nos parece nesse momento reservado.
Ah! Pensei em usar uma bandeira verde e amarela nessa postagem, mas ela foi tão mal empregada ultimamente que desisti. Será que conseguiremos recuperar a ideia de que a bandeira do Brasil ainda é de todos os brasileiros? A angústia está nesse grau, deu pra entender?
É isso.
Só pra constar: eu não apoiei o golpe!