Em qualquer viagem que eu faça, seja no Brasil ou no exterior, numa capital ou numa pequena cidade, um dos meus lugares favoritos para visitar é o mercado local de hortifrutigranjeiros. É onde tem comida de verdade com a cara do lugar. Pelo menos é assim que eu sinto.
Morei mais de 16 anos no bairro e lamentavelmente poucas foram as vezes que estive no Mercado de Pinheiros. Os motivos que não levaram durante todos esses anos ao mercado são diversos, mas o maior deles era o estado que se encontrava. Sem atrativos, muito largado, mal cheiroso, um tanto sujo, sem produtos de qualidade que me atraíssem o suficiente e, pior de tudo, cada vez que eu estive ali fiquei com uma sensação de derrota como cidadã. Um patrimônio público tão bem localizado naquele estado de degradação era a prova pra mim de que nós, cidadãos, somos muito incompetentes.
Mas há algum tempo venho acompanhando as tentativas de revitalizar aquele espaço e ontem fui até lá para um evento cuja divulgação por meio de release recebi super em cima da hora, na terça à noite, enviada pela assessoria de imprensa do restaurante Dalva e Dito, do chef Alex Atala. Isso porque o projeto de revitalização do mercado de Pinheiros é uma bandeira empunhada pelo Instituto Atá, do mesmo chef.
Devo admitir que minha desconfiança era enorme. Fui pagar para ver. Cheia de preconceitos, estava com receio de que, como o projeto tinha envolvimento de grandes e midiáticos nomes da gastronomia no Brasil como o próprio Atala e também Rodrigo de Oliveira, do restaurante Mocotó, além de Bel Coelho, do Clandestino, e outras estrelas, o projeto fosse uma dessas “gourmetizações” do espaço público. Pensei, vou chegar lá e o mercado se terá transformado num palco para essas estrelas, com preços estratosféricos e, claro, vai atrair os hippie-chiques da Vila Madalena para vender comida do tipo food truck sob o pretexto de gastronomia de verdade.
Me dei foi mal!!!
O que vi foi um verdadeiro e legítimo esforço de transformação e revitalização do espaço para o qual personalidades conscientes do mundo gastronômico emprestaram seus nomes, tempo, imagem, credibilidade e, principalmente, sua boa vontade e empreendedorismo.
Não há como saber se sem esses nomes a transformação teria ocorrido, mas é pouco provável.
Mais consciente foi como saí de lá, depois de participar do seminário em que estiveram presentes como palestrantes os representantes dos vários biomas brasileiros. Pessoas que vieram a São Paulo para encontrar mercado no sentido amplo. Estiveram aqui para demonstrar seus produtos, fruto da dedicação que têm não só em produzir alimentos diretamente da terra, como os hortifrutis, bem como os que são processados como vinho, doces, farinha etc.
A fim de divulgar e promover esses itens visando encontrar e participar do maior mercado consumidor do país, essas pessoas que produzem, por exemplo, frutos exóticos para nós paulistas, estavam aqui por uma real questão de sustentabilidade de seus negócios.
A revitalização do Mercado de Pinheiros ainda é incipiente. Há muitos outros passos a serem caminhados até que o espaço se reafirme e seja novamente um patrimônio com função para os moradores e frequentadores da região, mas as bases parecem sólidas desta vez.
Ficou evidente que os entraves foram (e ainda devem ou deverão ser grandes). No entanto, o esforço dos atores envolvidos, esse elenco estelar, em conjunto com a abertura e receptividade e ação da atual Prefeitura de São Paulo, venceu a inércia e o mercado já mudou.
Voltei alegre pra casa, apesar do noite tensa que se seguiu. Como não tenho sangue de barata e a situação política do Brasil me incomoda profundamente, acompanhar o noticiário ontem foi dilacerante pra mim. Acho que nunca havia vivido conscientemente um momento tão dramático deste país em termos de crise política como o atual. Contudo, o evento no mercado ontem foi um alento. Meu sentimento é que tem gente a fim de fazer dar certo, que não fica só reclamando e apostando que quanto pior, melhor.
Revitalizar um espaço como o mercado de Pinheiros com um objetivo nobre bem definido como o que me foi apresentado ontem é um sinal de que a mudança é possível. Mudar pra melhor é uma questão de atitude e comprometimento.
A propósito, a ideia é fazer desse mercado um local onde cheguem os ingredientes regionais brasileiros, os frutos desses biomas que quase ninguém sabe quais são, para que passemos a conhecer, valorizar e também consumir o que é nacional. Ou seja, um trilho para o desenvolvimento de uma cozinha que seja internacional para os que vêm de fora, ou seja, de comida brasileira. Novos tempos! Já passou da hora de fazermos isso no Brasil.
Sinto-me envergonhada pelo meu preconceito de ontem. Mudei. Nesse momento, sinto gratidão pelo envolvimento dessas pessoas para que possamos usufruir do Mercado de Pinheiros em todas as suas potencialidades. No que puder, estarei envolvida.
Sou ituana de nascimento, paulistana por opção e amo o bairro de Pinheiros como o meu lugar.
Recomendo a visita ao mercado com o coração aberto.