Quem falou que era a praia mais bonita do Brasil teve razões para isso. Não conheço todas para reafirmar, mas não me admira o superlativo ou o comparativo de superioridade. Alter do Chão é um desenho do paraíso. Lá a natureza é belíssima.
Ao contrário do que pensávamos, nem é tão difícil de chegar. Há voos para Santarém e Alter é um distrito dessa cidade, distante do centro apenas 30 e poucos quilômetros. Uma rodovia asfaltada e bem sinalizada vai de Santarém até a praia de Alter do Chão. Aí, é só escolher se vai de carro ou ônibus, se houver chance, claro. Sobre isso, há um texto no final desse post.
Chegamos ao vilarejo por volta das quatro da tarde e fomos diretamente para o Albergue da Floresta. Logo que encontramos Nayana, uma moça bonita, india sorridente e solícita, nos hospedamos numa espécie de casa da árvore. Bem legal! Para chegar à nossa suíte, subíamos uma escada de madeira e entrávamos numa casa também de madeira, bem no alto, com varanda e tudo. A construção não era bem uma casa na árvore, mas estava tão cercada delas que mais parecia uma.
Roupa de cama colorida, mas bonitinha, limpinha e com cara de nova, coordenava descoordenamente estampas de lençois e fronhas de um jeito que ficou elegante. As toalhas de banho médias azuis não eram muito felpudas, mas enxugavam bem. Detesto aquelas toalhas que escorregam e não enxugam.
Chamaram minha atenção as duas telas com pinturas de indígenas e um enfeite tapajoara pregados numa altura a cerca de 60 cm do chão (algo meio estranho) decorando as paredes escuras de madeira encerada. O banheiro era pequenino, com azulejos em 2/3 das paredes, caixa de descarga e ducha fria, ambas de plástico, e com uma pia diminuta e um espelho quadradinho que mal espelhava um rosto em seus 15 por 15 cm. Ah! No quarto havia um ventilador à disposição, peça indispensável.
Outra coisa interessante é que em todos os cantos do quarto havia ganchos para pendurar redes. Soubemos numa conversa com a Samia, dona do albergue, que a hospedagem começou como um redário – o primeiro de Alter do Chão. Agora há muitos outros redários na região. Funciona assim: um espaço com ganchos para pendurar as redes dos visitantes, banheiros para atendê-los e uma área comunitária disponível para que cozinhem e comam. Preço acessível para uma infraestrutura barata. Ideia e visão, o melhor do empreendedorismo, isso é fato!
O calor é incessante nessa região do Brasil, o que é uma característica do clima equatorial. Nas áreas do planeta terra que são próximas à linha do Equador, como a da região Amazônica, além da pouca variação de temperatura , entre 26 e 33 graus, a umidade é muito alta e há um período de chuvas definido, com índices pluviométricos bastante elevados. Como viajamos no fim de setembro, pegamos o período da estiagem. Dificilmente chove nessa época que é quando as águas baixam e nos rios aparecem ilhas e na orla, praias.
Sem demora, vestimos roupas de banho, passamos protetor solar e fomos explorar a praia de Alter do Chão. Saindo do hostel, caminhamos três quadras em chão de terra e chegamos à vista da Ilha do Amor, uma estreita faixa de areia branca a alguns metros da orla, adornada com trapiches e convidativas mesinhas e cadeiras que invadem a água.
A ilha é visitada diariamente por centenas de turistas que atravessam o rio nos pequenos barcos remados por homens devidamente uniformizados para o seu ofício. Eles garantem a segurança aos passageiros na travessia em seus botes porque todos são equipados com coletes salva-vidas obrigatórios. O valor para atravessar é de R$ 5 para até quatro pessoas. Vai e volta tanta gente que fica uma extensa fila de canoas aguardando turistas e moradores para que sejam levados à ilha de manhãzinha até o anoitecer.
Nós decidimos seguir um conselho da Nayana e caminhar até uma das praias pela orla e lá, entre banhos de rio, bolinhos de piracuí e cerveja geladinha, aguardamos o por do sol sentados com os pés dentro da água.
O banho em praia de rio é um tanto diferente do que se toma no mar. Há ondas, mas são mais leves e não tem arrebentação. Além disso, a pele parece queimar menos ao sol do que quando está salgada. Mas, quanto ao bronzeamento da cutis, tenho cá meus critérios pessoais e por isso não arrisquei um minuto sequer sem protetor solar. Ainda assim voltei bem vermelhinha pra São Paulo.
O rio Tapajós nasce no estado do Mato Grosso, formado pelos rios São Manoel e Juruena, e vai até o Pará onde se encontra com o rio Amazonas. Tem 810 km de comprimento e sua bacia comprende uma área de 764 mil quilometros quadrados. É muita água! Toda ela clara, o que contrasta muito com as águas do rio Amazonas, de cor marrom. Em outro momento falarei da minha experiência no encontro das águas.
Desde antes de aterrissar em Santarém, do alto, no avião, a paisagem é explêndida. Para um cidadão comum, é quase impossível acreditar que haja tanta área verde permeada por rios de tamanha magnitude. São largos a perder de vista (não é possível avistar o horizonte) e têm vazões tão altas que chegam a centenas de milhares. É tudo verde e azul. Mata, rio e céu. Talvez por isso falte consciência às pessoas quanto ao desmatamento, que precisa ser estancado. Porque dá a sensação de que nunca vai acabar tanto verde e tanta água.
Pra mim, eu que sou paulista e amo tanto esse rio Tietê e que, por tantos anos, por dever da profissão, anunciei que dele estávamos cuidando para que fosse resgatado da morte na região metropolitana de São Paulo, esse rio, o Tapajós, é como mar. Parece infinito. Parece mar.
Veio o entardecer, a lua estava só um risquinho risonho no céu ainda avermelhado e só então fomos em busca de comida.
Uma variedade de peixes nos esperavam e merecem, desta viagem, um capítulo especial. O leitor pode me cobrar: tucunaré ao molho de camarão, pirarucu na brasa, filhote com legumes e jambu e, em outra versão, com molho de leite de coco. Reservem palmas e aplausos para os sucos de taperobá, cupuaçu e murici e o sorvete de graviola. Não há de faltar também uma referência ao bombom de cupuaçu e castanha do pará coberto com chocolate.
A noite foi quente e difícil porque o colchão era demasiado mole além do que o desejado silêncio não veio já que o ventilador obrigatoriamente tinha que ficar ligado. Na primeira noite, eu fui assolada pelo medo urbano de ficar com as janelas abertas. Não tive sossego a noite toda. Um inchaço tomou conta de mim graças ao calor, às longas horas no avião e aos hormônios mensais. Mas tudo pareceu pouco porque o dia seguinte seria mesmo sensacional!
Tão logo amanhecemos no sábado, tivemos um desjejum regional: banana, melancia, cará cozido (um tubérculo roxo, cor de beterraba), suco de caju, leite, café, pão, presunto e queijo e doce de cupuaçu. Honesto. Não posso dizer que delicioso, exceto pela banana. Comi duas!
Contratamos o serviço de canoeiro que nos deixou na Ilha do Amor, perto da entrada do Morro da Piraoca, que subimos e descemos em pleno sol de quase meio-dia. Para chegar à melhor vista, a subida leva 40 minutos de caminhada animada. A descida exige talento para enfrentar o calor e umas duas ou três pirambeiras bem significativas.
A vista, no entanto, é espetacular. Fora o meu mau humor por conta do físico judiado àquela altura, olhar para os lados lá de cima é se sentir agraciado por Deus. O desenho que o rio faz nas ilhas, seus braços e recortes na terra e na mata, sua imensidão e sua cor espelhada pelo sol são uma imagem para ficar eternamente na memória. Não há máquina fotográfica que consiga captar o que se vê fidedignamente. Essa é a minha sensação. Prefiro ver com os olhos, sentir com o coração e deixo os registros para os fotógrafos. A eles, todo o meu respeito e reverência, porque com seus olhares são capazes de congelar a paisagem no tempo. Mas, não eu. Essa coisa eu não consigo. Muitas vezes as fotografias nos levam de volta às nossas memórias, muitas vezes ao que já sentimos, mas estou certa que jamais nos devolvem o que vimos de verdade.
Depois do Morro da Piraoca, um banho de rio, minutos de caminhada na praia e almoço no trapiche do pai do Jorge, que vendia sucos naturais por R$ 5 a jarra. O peixe feito na brasa foi um pirarucu. Quanto ao Jorge, uma figura singular! Usa o dinheiro que ganha com os sucos para pagar o curso de informática.
Em seguida, descanso no albergue por algumas horas e, mais tarde, o por do sol na Ponta do Cururu. Contratamos o serviço de um barqueiro e fomos com mais um casal, Expedito e Nazaré. Eles dividiram o passeio conosco e também duas emoções: a do maravilhoso espetáculo do astro rei quando se despede do Brasil rumo ao Japão todas as tardes e da volta num barco tipo voadeira que, embora o piloto Carlos tenha dito que não gostava de velocidade, ultrapassou todas as demais embarcações que seguiam no mesmo trajeto de volta à vila de Alter do Chão.
À noite, na pracinha da vila, um show de circo juntou gente. Demorando demais pra começar nos afastou.
A segunda noite de sono foi melhor que a anterior.
No domingo queríamos ir ao Canal do Jari, um destino oferecido pelas agências de turismo de Alter do Chão, que exige a travessia do rio Tapajós rumo ao rio Amazonas. Fiquei chateada e desconfiada da atitude dos barqueiros quando não conseguimos alguém que nos levasse num barco pequeno para o canal. Eles justificavam a negativa devido ao vento forte. Eu que não acreditei no começo depois me redimi e aceitei como verdade absoluta o que nos disseram os donos das lanchas. O fato é que nunca senti tanto medo num barco como enquanto navegávamos rumo a Ponta de Pedras, outra praia da região. A voadeira batia nas ondas de forma tão violenta que a cada segundo eu sentia que a qualquer momento o barco poderia naufragar. Aquilo era mesmo muito perigoso e nem estávamos atravessando o rio. Nosso trajeto era praticamente beirando a encosta da ilha. Nessa ocasião tivemos a companhia de três mulheres, duas turistas de Manaus e uma local que as recebia. Essa moça santarena me explicou que na travessia para o canal do Jari as ondas são muito maiores e piores, digo, mais violentas. Ainda bem que não fomos. Talvez não tivéssemos voltado. Mas um dia faremos a travessia numa lancha daquelas grandes.
De Ponta de Pedras, fomos a uma lagoa logo à frente. Mergulhamos o Silas e eu, mas logo fomos alertados que por ali há muita arraia e que é perigoso. Nesse lugar, nossa expectativa era de que houvesse silêncio, mas ouvíamos de pouca distância um grupo de pessoas num churrascão ouvindo um sertanejo meio pagode de péssimo gosto. Isso dá a entender que não há silêncio na natureza, por mais que você queira. A paisagem era muito bonita e lembrava um pouco a região de Lençois no Maranhão. Talvez pela areia quente e a água limpinha.
Nosso domingo terminou em Santarém, depois de um saboroso almoço num restaurante demorado de Alter do Chão. O peixe escolhido: filhote, o preferido do meu marido desde que o provou numa de suas viagens para Belém.
Alter do Chão é um lugar bem diferente de tudo o que eu já havia visitado. Mais que descrever a beleza ainda preservada da natureza da região, para falar desse lugar seria preciso falar do tempo que é diferente do daqui, do seu, do meu, da urbanidade. Tudo corre em outro ritmo, bem diferente do que conhecemos e é preciso ir até lá pra entender.
Alter do Chão é uma “cidadezinha” altiva onde a maior parte dos moradores são índios. Eles nadam no rio na hora que querem ou podem e, ao que parece, quase sempre podem porque o rio está lá disponível.
No fim da tarde, os jovens se juntam pra jogar bola dentro da água. As meninas e os rapazes são iguais entre si. Não há discriminação aparente, nem exagerada libido. Todos são bonitos, com aquela cor indigena e os corpos esculpidos pela tenra idade e a ausência de Mc Donald’s. Aparentam-se mais saudáveis e menos malhados em academia do que nós. Chama atenção a dentição; não tem sorriso de dente encavalado por ali. Os cabelos são negros e lisos, mas, quando encaracolados, não exigem chapinha. É tudo mais natural.
Vimos crianças bem pequenas nadando no rio sem avistar qualquer exagerada preocupação dos pais. Os curumins (eu ia escrever os guris, mas lá são pequenos indios) são nadadores desde que se reconhecem vivos.
Andamos à noite pela vila e não vimos sinal algum de violência ou insegurança, apesar de os muros das casas mais novas já serem altos, no modelo que bem conhecemos de prisões domiciliares como as que vivemos.
Tomamos o melhor sorvete do mundo, segundo o sorveteiro da praça, o de graviola. Bom pra tudo, inclusive para o câncer. “Já falaram até no Globo Repórter”, disse ele.
Assim foi nossa estada em Alter do Chão. Será que voltaremos um dia? Não acho muito fácil, mas também nem tão difícil.
Pessoas que não contribuem para o turismo na América Latina
Eu me lembro de há alguns anos ter visto uma matéria na televisão sobre as aves que ficam próximas aos aeroportos e que podem causar acidentes ao atrapalhar o percurso dos aviões. Normalmente isso ocorre pela presença de urubus nas pistas das aeronaves. Como eles são grandes e fortes oferecem riscos durante pousos e decolagens. Ao chegar em Santarém, lembrei-me disso assim que pisei porta-fora da sala onde fica a esteira das bagagens. Entretanto, eu não avistei uma só ave nesse momento, mas urubus, esses, sim, vi vários.
Chamo de urubus sobre carniça a atitude dos taxistas do local. Não que isso seja um privilégio santareno. Esse tipo de abordagem é muito comum em locais onde chegam turistas em qualquer parte do Brasil e da América Latina. Os predadores não dão fôlego à presa que, nesse caso, é o turista recém-chegado. Eles literalmente fecham o seu caminho e não permitem que você pense sobre o que pretende fazer, se quer tomar um ônibus, andar a pé, perseguir uma carona, o que seja. Em lugares como o aeroporto de Santarém, o turista é um alvo a ser explorado e ponto.
Isso me incomoda profundamente quando penso em visitar lugares das regiões Norte e Nordeste do Brasil. Vivi isso diversas vezes em cidades como Salvador na Bahia, São Luiz no Maranhão e Maceió em Alagoas. Eu poderia elencar outros tantos exemplos de locais onde ocorre prática lamentável que é a de abordar e constranger o turista, especialmente se ele tem cara de gringo, mas não vou gastar mais do meu texto para falar de coisas ruins como essa. Se você tem característica fisicas semelhantes à minha: alto, branquelo cor de escritório, vá preparado para não se irritar muito. Eu, apesar de me preparar para o assédio, sofro com isso.
Mas a coisa não para aí. Há ainda a competição desleal entre os da mesma categoria, sejam taxistas, barqueiros, guias turísticos ou vendedores de redes ou doces. Em alguns poucos segundos, você se vê dentro de um leilão reverso. Sabe como funciona? O preço começa alto, bem alto. Se colar, boa! O cara leva o dinheiro do cliente. Mas se não colar, se você tiver algum sangue frio e der chance para o próximo abutre fazer sua abordagem, ele vai diminuir o preço da corrida, do passeio, da rede ou da colcha a ser comprada. No entanto, nunca sem dar uma olhada em volta pra tentar não ser ouvido pelos demais. Afinal, o traíra não é bem visto. Mesmo que o sujeito faça parte de uma associação ou organização, se vir um chance, vai ofertar um serviço “por fora”, assim ganha sozinho. Sofrível pra dizer o minímo.
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