Viajar é uma das melhores decisões que alguém pode tomar na vida, eu não tenho dúvida alguma quanto a isso. Inclusive, como diz a Renata, criamos um mantra, o Silas e eu: “Para que precisamos de dinheiro? Para viajar!”
Mas eu que não deixo passar muita coisa sem refletir um pouco a respeito fico aqui pensando em porquê é assim tão importante para nós (e acredito que para as pessoas meio normais, como nós, rsrs) essa condição efêmera de viajantes. O que nos oferece de verdade o período em que estamos na viagem? Por que essa sensação é tão prazerosa?
Para mim, são tantos benefícios que nem consigo elencar o que não é válido num passeio por terras distantes, mesmo que elas nem sejam tantas milhas distantes assim. Entre as benesses, a oportunidade de comparar sem preconceito é a que talvez mais me encante.
Nessa longa viagem de férias que fizemos passando pela Holanda e a Alemanha, minha principal observação frente às diferenças culturais foi o que significa um muro se comparado a uma cerca.
Quando eu era criança, na casa das minhas avós, o que dividia o quintal de uma casa do de outra era uma cerca. Pra lá da cerca era a casa da dona Landa e pra cá da cerca do Seu Aldemir. Do outro lado, a Dona Maria Stuque e ao fundo, eu não me lembro, mas também tinha cerca. Na casa da outra avó, a dona Zilda tinha um quintalzão que a gente via pelo muro baixo que depois aumentou, ficou alto porque ela tinha cachorro e minha avó galinhas. Mas púnhamos uma escada e conversávamos com o nosso amigo Alexandre pelo muro. Todo mundo sabia quem era quem e quando aparecia alguém diferente também todo mundo sabia.
Os muros foram crescendo conforme foi aumentando a violência. Quando os ladrões de galinhas deixaram de ser meninos levados e passaram a ser assaltantes com armas em punho e a fim de fazer uma grande rapa na casa dos que não se protegem com altas grades, muros imensos com cacos de vidro que os cobrem, cercas elétricas e sistemas de segurança com câmeras por todos os lados, deixando o Big Brother parecendo uma brincadeira engraçadinha.
Os muros cresceram porque a insegurança aumentou, o consumo demasiado gerou distâncias sociais abissais e muita revolta. Quem não tem acha que pode ter se apropriando do que é do outro. Quem tem quer cada vez mais, acumula e não divide. Acha que deve ser servido pelo que não tem e que as coisas não devem mudar. As diferenças sociais se aprofundam e para os que têm deve ser assim mesmo. “As grades do condomínio são para trazer proteção, mas também trazem a dúvida se não é você que está nessa prisão”.
Em países como a Alemanha e a Holanda, as diferenças sociais são menores. Os que têm menos, têm o suficiente, não são miseráveis. As pessoas trabalham, têm suas casas com jardins e cerquinhas que só ilustram a paisagem para que pareçam um desenho infantil feito em papel sulfite bem colorido.
Andamos de bike por um trecho não muito longo no interior da Holanda e não vimos muros, só cercas bonitinhas ou nem isso. Foi igual quando vimos as cidades pelas janelas dos trens. Assim como nas cidades em que estivemos na área urbana. Na Alemanha, percorremos de carro, durante uma semana, boa parte do sul do país. Não há muros dividindo as propriedades, quando muito, há cercas.
Antes de falar das incríveis belezas construídas pelos germânicos, tão organizados que são, quanto à infraestrutura de transporte, as rodovias, as ciclovias, os portos, a rede elétrica que não tem cabos aparentes nas áreas urbanas, os grandes reservatórios de água para garantir o abastecimento das cidades, queria falar da principal sensação que tive enquanto viajei pelos dois países. Eu senti que lá há segurança. De modo que as cercas não foram substituídas por muros.
Seus olhos agradecem. A paisagem aparece imensamente porque desbundam extensas áreas verdes onde pastam lindas vacas leiteiras, campos de trigo de perder de vista. Nas casas com jardins quase sempre bem cuidados e floridos também há grandes janelas para aproveitar a luz do sol e nelas estão à mostra floreiras muito coloridas.
Mais que seus olhos, o seu coração se sente mais tranquilo porque em lugares nos quais os muros não são necessários é quase óbvio que há segurança.
Como disse no início, comparar sem preconceito, e também sem inveja, é uma das oportunidades que as viagens nos dão. É preciso um certo controle e muito discernimento para evitar dizer que um lugar é melhor que outro, apenas porque para comparar não é preciso julgar.
Para mim, a diferença entre o muro e a cerca é a escolha que política e socialmente fazemos todos os dias em cada atitude que temos.
Desejo a todos os meus amados leitores de quem eu estava muito saudosa, muitas viagens! Todas as que forem possíveis e, claro, que sempre possam voltar pra casa. Eu adoro voltar!
Clau, adorei seu texto, e concordo totalmente.
Ao compararmos não necesitamos julgar, e isso enriquece.
Espero que possamos viajar até quando quisermos, e com isso ampliar nossos horizontes mentais para que cada vez mais vejamos cercas, e que os muros, figurados ou não, deixem de existir.
Um grande abraço!
Bjs, Cris!
Clau, achei por bem fazer um breve comentário.
Sei que você não escreveu, e nem pensa isso, mas pode ser que a um leitor mais desavisado, ou mesmo reacionário, o seu texto afirme que o muro é resultado da insegurança e essa é fruto de governos inoperantes, e o que está faltando é mais polícia e controle. Mas não é nada disso que você quer dizer.
O muro é o fosso que separa esse país desde sua colonização no século XVI. O muro é a cabeça de uma elitizinha de merda que se acha superior aos demais e sempre quis ter regalias, ser servida pelos de baixo e acha normal ter mais privilégios. O muro é fruto daqueles que acham normal ter empregadas domésticas sem direitos trabalhistas, servindo 24h por dia, sete dias por semana, como num próprio regime de servidão. O muro está nos condomínios, nos shopping-centers, nos carros particulares em lugar do transporte coletivo, nas escolas particulares, nos hospitais privados etc. O muro só vai acabar e dar lugar à cerca quando acharmos importante dividir com todos os demais o espaço que é público. Ou melhor, quando acharmos que isso é o normal. Mas para isso é preciso uma mudança cultural, uma mudança de atitude. Como se costuma dizer, "país rico não é aquele em que o pobre anda de carro, mas em que o rico anda de ônibus".
É isso, sim, Silas. Tá vendo como você me entende? Eu acho mesmo é que vem aumentando a distância entre as "classes" e os muros são a representação escancarada disso.