Por Aloísio Pontes
Diz o sábio dito popular que beleza não se põe na mesa. Mas desde os anos 60 e com mais popularidade na década seguinte, a estética na gastronomia – temperada na cozinha francesa – invadiu as cozinhas do mundo, ditando normas e regras da alta gastronomia, passando a ser um ingrediente indispensável, quase um tempero essencial. E a busca pela imagem perfeita de um prato tornou-se obsessiva para grandes chefs. Mas, como toda perfeição cobra um preço, os cortes simétricos e a escolha de ingredientes com aparência imaculada foi, ao longo do processo, gerando uma cadeia de desperdícios e, mais que isso, um completo desprezo por produtos imperfeitos esteticamente, mesmo que mantenham em perfeitas condições suas propriedades organolépticas.
Se este desperdício ficasse restrito a estrelados estabelecimentos onde pouquíssimos mortais frequentam e a quantidade de alimentos se mede em gramas, talvez um problema de menor proporção. Mas com a explosão dos programas televisivos de “chefs-atores” e reality shows de gastronomia de estúdios, cozinhados no forno das grandes indústrias alimentícias, a estética – essa intrusa da cozinha – invadiu também a casa de milhares pessoas e escorreu, como um caldo ralo, para supermercados, feiras livres, quitandas de bairros, barracas de esquina, sacolões e onde mais qualquer pobre alimento menos bonitinho vai, com grande certeza, parar no lixo.
Frequentador que sou de feiras, observo pessoas de uma incrível simplicidade e parcas posses pagarem um tanto mais por um tomate mais “bonito” ou uma berinjela mais “brilhante”, mesmo que estas qualidades sejam artificialmente conferidas ao produto, enquanto o tomate tortinho, com uma mancha natural de amadurecimento, mas totalmente adequado ao consumo, vai sendo deixando de lado – mesmo com um preço mais vantajoso. Afinal, ele não tem nada parecido com que o chef-gato-ator ou a apresentadora descolada mostrou na TV.
Com raras exceções, esses programas nunca abordam temas importantes como o aproveitamento integral e a escolha inteligente de ingredientes, valorizando mais as qualidades de consumo que a aparência. Revistas especializadas e cadernos de final de semana de jornais vão pelo mesmo caminho e valorizam a imagem com frutas, verduras e legumes fazendo um elaborado “ensaio fotográfico”, com direito a edição de imagens depois. Juro que nunca, em nenhum lugar consegui comprar uma maçã, uma jaca ou peixe com aparência das fotos de revista, mas os que comprei eram saborosíssimos.
Na contramão – que alívio – blogs e sites especializados em gastronomia têm quebrado esta hegemonia da estética e dado cada vez mais espaços para reflexões sobre a importância de se dar importância (uma redundância proposital) aos alimentos em sua integralidade e sem este apelo estético. Experimentos disseminados nas redes sociais escancaram de forma contundente nossos preconceitos contra os alimentos “feinhos” e vão além: mostram como esta prática é perniciosa.
E nos colocam literalmente entre o fogo e a frigideira quando nos mostram que cerca de 33% de todo o alimento produzido anualmente no mundo vai para o lixo. Deste percentual, 54% das perdas ocorrem na fase inicial do cultivo, passando pela manipulação, pós-colheita e armazenamento. Os 46% restantes são perdidos nas etapas de processamento, distribuição e consumo. É neste último item que estamos você e eu e minha vizinha de compra na feira que descarta o tomate feinho. Todo este alimento no lixo num planeta onde aproximadamente 1 bilhão de pessoas ficam diariamente de prato vazio.
Sobre o autor:
Aloísio Pontes é jornalista e gastrônomo. Vive em Salvador – BA. É o criador do delivery de comida saudável AlôChef.