Não é preciso discorrer longamente sobre os benefícios do mel para a saúde das pessoas. Quem consome sabe, quase por intuição, afinal, que quando o sabor agrada, há prazer e esse já é o primeiro dos benefícios.
Outros tantos são os que se referem ao aumento da imunidade, aos efeitos positivos percebidos na pele e no cabelo, ao envelhecimento mais tardio, além da melhora na capacidade digestiva e em como mel e própolis funcionam com anti-inflamatórios e por isso aceleram a cura de ferimentos, de dores reumáticas, resfriados e outros mais.
Mesmo sem precisar citá-los, muitos desses benefícios são adjacentes a quem consome o produto produzido pelas abelhas.
Só que é pelo viés da gastronomia que se pretende falar de mel desta vez.
Desde que o imaginário do comportamento gourmand* se alastrou socialmente nas classes intermediárias, auto intitular-se foodie** tornou-se um status perseguido por consumidores em busca de experiências sensoriais (neste caso, mais do paladar e do olfato, que dos outros sentidos) em busca de distinção social.
Deste modo, o mel, como tantos outros ingredientes usados na culinária, avançou para um hall de produtos agora tidos como sofisticados. Nas prateleiras dos melhores e mais caros empórios de produtos gourmets, ele passa a ser interpretado por critérios que há tempos, os vinhos, por exemplo, já cumpriam. Não é só o mel, outros, como mencionado, passam a ser estudados e avaliados por esses crivos como cervejas artesanais, azeites, farinhas, queijos, chocolates, cachaças e outros muitos…
Para além das características organolépticas, outros itens como procedência, pureza, bem como as técnicas e o receituário que se valem de determinados tipos de mel se tornam elementos simbólicos de sua capacidade de distinguir quem os usa como ingrediente e daqueles que os consomem. Não por outro motivo, tornam-se características essenciais do produto a serem valorizadas nas estratégias de marketing.
Por mais que, de algum modo, isso seja ou soe como um mecanismo para, nas gôndolas dos supermercados, aumentar o preço do produto, há mais vantagens do que desvantagens nessa história para todos.
Gastronomia e mel
O mel já foi patinho feio frente ao açúcar de cana e as glucoses, o que já não acontece mais e faz tempo. Para os que vivem a gastronomia cotidianamente, o mel tornou-se ingrediente e/ou produto (depende do uso que lhe é dado) respeitado e valorizado. Reposicionado, ele hoje figura como elemento distintivo de um preparo ou prato, uma vez que passou a ser visto, estudado, experimentado, usado e consumido como diferencial de sabor. Isso significa que os meles passam a compor diferentes preparos de acordo com suas especificidades também porque os chefs de cozinha passam a testar seus usos e harmonizações.
É fácil perceber como surge toda uma cadeia em que todos os que dela participam têm vantagens quando isso ocorre. Ganham os produtores cujos produtos se tornam desejáveis, assim como aqueles que os comercializam, seja in natura ou em usos culinários e gastronômicos, e os que consomem na ponta final do processo.
É importante frisar que essa observação é dada a partir de um olhar pelo prisma do mundo ideal, no qual estão considerados os princípios básicos de que todos deveriam ter suas parcelas do trabalho reconhecidas e recompensadas. Talvez algo utópico diante dos nossos sistemas produtivos atuais.
No entanto, a proposta é que observe o papel da gastronomia na valorização do mel, não como mais um elemento do qual se extraia uma mais valia tanto do trabalho das abelhas quanto dos que as manejam. Ao contrário disso, que se interprete (mesmo que bondosamente já que os tempos não favorecem de modo algum um olhar condescendente) o reposicionamento do mel nas cozinhas de grandes chefs e também de cozinheiros caseiros e dos foodies como um reconhecimento real da sua importância para a comida. Isso até, levando-se em conta uma apropriação dos princípios de produção do movimento slow food, em que é preciso ser limpo, bom e justo.
Em ocasião oportuna, é válido pesquisar e pontuar como esse mel, produto reposicionado pela onda gastronômica que a todos assola, entra nos novos receituários e fichas técnicas da alta gastronomia, como ele se alinha ou se destaca nesse contexto. É certo de que há muito o que tratar para que se possa escrever que gastronomia se faz com mel.
*o que ama a boa mesa / **apaixonado por comida e bebida
Autor: Maria Cláudia Gavioli Publicada na revista Mensagem Doce n.157 APAME Associação Paulista de Apicultores Criadores de Abelhas Melíficas Européias
Sugestão do Minestrone: ouça também o podcast sobre mel.