Se março é o mês de homenagear mulheres e esta é uma coluna de vinhos, nada mais lógico que falar aqui de uma mulher importante para o mundo dos vinhos. Ainda mais se ela for rainha.
A primeira vez que ouvi sobre Eleonor de Aquitânia foi num rótulo de vinho. Em uma live, Alejandro Vigil explicava as mulheres do rótulo do vinho Catena Zapata Malbec Argentino. Lançado em 2105, o rótulo desenvolvido a partir a partir de um trabalho de levantamento histórico feito por Adrianna Catena (que por acaso é phd em história pela Oxford) é uma homenagem à uva Malbec – emblemática da Argentina – e às várias mulheres que desempenharam papel importante em sua história: Eleonor de Aquitânia, a imigrante, a filoxera e as mulheres da família Catena. Linda a arte do rótulo, por sinal.
Antes, Fernando Buscema, diretor do Catena Wine Institute havia me comentado que os grandes vinhos de Bordeaux da antiguidade eram blends compostos, majoritariamente, pela uva Malbec. Esse não era o tema da conversa e acabei ficando apenas com esse pedaço de informação. Apenas recentemente, no entanto, entendi a razão desta afirmação: conheci Eleonor e aprendi como sua história é entremeada com tempos gloriosos para a uva Malbec.
além de promover os vinhos de sua terra natal, Eleonor impôs sua personalidade na moda e nos costumes, fazendo emergir a revolucionária ideia do amor romântico e do protagonismo feminino nas relações
Apesar de, hoje, os vinhos de Malbec serem mundialmente populares graças aos esforços argentinos, a uva é originária do sudoeste francês, onde está a famosa Bordeaux e seus Premier Grand Cru 1855 (5 châteaus que já em 1855 foram considerados como os produtores dos melhores e mais caros vinhos da região: os até hoje cobiçados Château Haut-Brion, Château Lafite-Rothschild, Château Mouton-Rothschild e Château Margeaux e Château Latour). Ouça sobre esses Grand Crus e a classificação de 1855 aqui.
Bordeaux na idade média era a sede do ducado da Aquitânia: uma extensa e importante região que se estendia desde o Loire, perto de Paris, até os Pirineus, na fronteira com a Espanha. Eleonor herdou essas terras aos 15 anos, com a morte do pai durante uma peregrinação a Santiago de Compostela.
Guilherme X havia preparado a filha para sucedê-lo: sua educação incluiu fluência em 8 idiomas, matemática, astronomia e filosofia numa época em que a maior parte dos governantes era analfabeta. Guilherme também buscou integrar a filha nos affairs do ducado e, à beira da morte, tomou a atitude incomum de torná-la sua herdeira – em lugar de outros parentes do sexo masculino, como era a praxe à época.
Eleonor passou então à tutela do rei Louis VI da França, que já estava gravemente enfermo e mais que depressa tratou de casá-la com seu próprio filho, Louis VII. E foi assim que Eleonor, poucas semanas após a morte do pai, já era rainha da França.
O casamento com Louis durou 15 tumultuados anos e marcou a ascenção dos vinhos da Aquitânia na França, mas tempos ainda melhores estavam por vir. Após conseguir anular seu primeiro casamento e manter em seu poder a região, Eleonor casou-se, em questão de semanas, com Henrique, Duque da Normandia. Em cerca de 2 anos mais, Henrique ascendeu ao trono inglês e nossa Eleonor tornou-se rainha da Inglaterra.
Sua presença na corte inglesa, um vasto e ávido mercado de bebedores de cerveja, foi ainda mais importante para a expansão dos vinhos da Aquitânia. Por lá, além de promover os vinhos de sua terra natal, Eleonor impôs sua personalidade na moda e nos costumes, fazendo emergir a revolucionária ideia do amor romântico e do protagonismo feminino nas relações. Eleonor chegou a reinar de fato quando seu filho, o rei Ricardo Coração de Leão, participou das cruzadas.
A Bordeaux de Eleonor era muito diferente da atual. Apenas a margem direita – onde estão Pomerol e Saint Emilion exisitia. Toda a margem esquerda, com seus 1er Grand Cru, era pântano e assim permaneceu até o século XVII, quando engenheiros holandeses foram contratados pra drenar a área.
Na margem direita, com solos argilosos mais frios, as uvas tintas têm mais dificuldade de amadurecer e os blends da época se beneficiavam especialmente da cor e dos taninos aportados pela vigorosa Malbec. A fama dos “vinhos negros” de Bordeaux ganhou o mundo medieval parte às custas do desprestígio dos vinhos de outras áreas no sudoeste, marcando o início do declínio da Malbec. O golpe de misericórdia veio com a filoxera – a praga que devastou vinhedos europeus no século XIX e que só foi contornada com a replantação das videiras em porta-enxertos de vitis americanas.
Nesse replantio, áreas nobres preteriram a vigorosa Malbec em favor de variedades “mais nobres”. A Malbec ficou relegada às regiões que produziam uvas para serem vendidas às cooperativas, que remuneravam mais em função da quantidade que da qualidade. Por sorte, algumas mudas já haviam sido trazidas para o Chile e acabaram encontrando seu caminho até Mendoza em 1853, onde começou um novo ciclo de valorização. Ouça sobre a história da Malbec na Argentina aqui.
Uma mulher à frente de seu tempo, apoiada por homens à frente de seu tempo. Eleanor viveu até o início do século XIII. Além dos feitos pessoais que marcaram sua época, é a matriarca da dinastia plantageneta e ancestral da atual rainha da Inglaterra. Suas descendentes se incorporaram em todas as casas ibéricas, chegando inclusive à família imperial brasileira. Mais detalhes sobre suas sagas podem ser conferidas no podcast O Malbec e a Rainha e em filmes como The lion in winter, interpretada por Katharine Hepburn na versão original e Glenn Close, na versão para tv de 2003. Aparece como coadjuvante em várias versões de Robin Hood e outras séries de tv além de e em Rei João, de Willian Shakespeare.