O sonho de todo enófilo é aproximar o nariz de uma taça de vinho e recitar, com facilidde, os aromas ali percebidos. Muitos aromas! Quanto mais, melhor – certo? Errado! O sonho pode até ser esse, mas não deveria.
A importância dos aromas nos vinhos
Enófilos conhecem bem todas as fases de uma degustação profissional de vinhos: análise visual, olfativa, gustativa e avaliação final (saiba mais neste vídeo curto).
Todas as etapas são importantes na apreciação do vinho, mas a que costuma tomar mais tempo dos dedicados degustadores é a descrição dos aromas percebidos em cada taça. Ironicamente, essa é justamente a fase mais pessoal da degustação.
Contrariamente a outros parâmetros dos vinhos que podem ser medidos objetivamente, como acidez, teor alcoólico, taninos, gliceróis – os aromas são percepções individuais. Não há ameixas no vinho, mas esse é um aroma frequentemente associado aos vinhos Malbec. Da mesma forma, nenhuma gota de abacaxi é adicionada ao vinho Chardonnay – ainda assim, raras vezes não penso em abacaxi ao degustar um Chardonnay argentino. Essa é a forma como eu percebo os aromas de um Chardonnay.
O abacaxi e a ameixa não estão no vinho mas, em meu esforço para descrever a sensação que o vinho me provoca, eu preciso recorrer a essas associações paralelas. E há vários problemas com essas associações.
Ao serem totalmente pessoais, as associações que eu farei dependerão de uma infinidade de pequenos detalhes. Vocabulário, cultura e experiências pessoais definirão as associações feitas por mim. Até mesmo acontecimentos recentes podem interferir, uma vez que a nomeação de um aroma específico depende da associação da sensação percebida com a lembrança de algum objeto real, guardado na memória. Objetos na memória recente tendem a ser mais prontamente lembrados.
Similarmente, quaisquer sugestões externas afetarão fortemente as associações que faremos. Faça um teste: peça a seus amigos que identifiquem o aroma de queijo gorgonzola às cegas (embrulhe em papel toalha, por exemplo). Para uma parte deles, apresente a “amostra” com uma careta e anote quantos acabarão associando o aroma a vômito, em vez do um saboroso e caro queijo mofado. O poder do contexto…
Outras críticas à análise aromática
Tentativas de contornar a óbvia impossibilidade de transmitir em palavras as sensações pessoais de um indivíduo para o outro abundam. No caso dos vinhos, a de maior sucesso provavelmente é a SAT – Systematic Approach Tasting (técnica de degustação sistemática, numa tradução livre), desenvolvida pelo WSET – Wine and Spirits Educational Trust.
Apregoada em todos os cursos de formação WSET, a SAT especifica e limita os aromas que podem ser encontrados num vinho. Aqueles educados segundo os preceitos do trust devem, obrigatoriamente, restringir seus “achados aromáticos” à lista pré-definida. Como o instituto é inglês, e a paleta aromática “permitida” tem sotaque: são inúmeras berries – blueberry, blackberry, redberry, greenberry, cranberry, raspberry, gooseberry etc. – e, a cereja do bolo pra mim: Pearl Drops – uma espécie de “bala de leite Kidss, a melhor bala que há” que só existe na Inglaterra.
Por ser uma das mais renomadas formadoras de profissionais e de opinião sobre vinhos no mundo, a linguagem da SAT acaba dominando o mundo do vinho, levando brasileiros e chineses a descrever seu vinhos com aromas de uma bala que nunca viram e que nada significa para seus interlocutores, não fluentes no enoidioma. Enquanto isso, a riqueza da paleta aromática de cada cultura fica em terceiro plano.
Felizmente, muitas vozes já vêm se pronunciando a respeito e é possível que haja mudanças em breve, mas essa é só uma parte da questão. Alguns questionam a utilidade da descrição de aromas dos vinhos.
A utilidade da descrição dos aromas
Neste último dia das mães logo cedo recebi mensagem de um ouvinte. Era a foto de um vinho tomado recentemente. Perguntei o que ele achou do vinho e ele respondeu ” Gostei bastante. Achei bem equilibrado. Mas estranhei os aromas. Senti algo que nunca tinha sentido e nem nunca ouvi alguém dizer que sentiu em vinhos. Senti logo de cara aroma de castanha do Pará….. pode isso ? Depois senti aroma de suco extraído da casca da jabuticaba . Na boca esse suco de jabuticaba ficou mais forte (minha mãe fazia suco deixando a casca da jabuticaba curtindo na água por dias, depois colocava açúcar e ficava uma delícia)”
Essa mensagem me emocionou porque, além de reforçar essa ideia que venho ruminando há tempos sobre o “wsetismo” do mundo dos vinhos também evidenciou o poder que o vinho tem de nos fazer viajar: no mundo e no tempo… e até voltar à infância e provar novamente a delícia que era o suco de jabuticaba que mãe fazia… Definitivamente, uma bebida mágica.
Definitivamente, uma bebida mágica
Neste último dia das mães logo cedo recebi mensagem de um ouvinte. Era a foto de um vinho tomado recentemente. Perguntei o que ele achou do vinho e ele respondeu ” Gostei bastante. Achei bem equilibrado. Mas estranhei os aromas. Senti algo que nunca tinha sentido e nem nunca ouvi alguém dizer que sentiu em vinhos. Senti logo de cara aroma de castanha do Pará….. pode isso ? Depois senti aroma de suco extraído da casca da jabuticaba . Na boca esse suco de jabuticaba ficou mais forte (minha mãe fazia suco deixando a casca da jabuticaba curtindo na água por dias, depois colocava açúcar e ficava uma delícia)”.
Essa mensagem me emocionou porque, além de reforçar essa ideia que venho ruminando há tempos sobre o “wsetismo” do mundo dos vinhos também evidenciou o poder que o vinho tem de nos fazer viajar: no mundo e no tempo… e até voltar à infância e provar novamente a delícia que era o suco de jabuticaba que mãe fazia… Definitivamente, uma bebida mágica.
Que tal pararmos de levar o vinho tão a sério e passarmosa aproveitar a magia do vinho?
Em tempo: pesquisas nem tão recentes já comprovam que somos incapazes de identificar mais que 3 aromas em uma mistura, nos dando autoridade para chamar de big fat liar aquele enochato que cita 32 aromas para descrever um vinho! Pesquisas mais recentes motivadas pela covid mostram que alguns pacientes que se recuperaram passam a confundir aromas agradáveis e desagradáveis (esgoto, podridão etc.), colocando mais sombra em nossa capacidade real de identificar e descrever aromas.