Monroe é o sobrenome de Marilyn, a eterna divina diva loura alucinante. Monroe é o nome do restaurante imaginário de Clara, assim como são apenas ilusões (ainda que algumas postas em prática) as criações dela (ou Ana, depende de quem se dirige a ela).
Como a vida imita a arte (ou será a arte que imita a vida?), no filme Os olhos negros de Marilyn, que entrou em cartaz na Netflix em 2022, nas mídias digitais milhares de pessoas postam suas resenhas sobre o restaurante como se já tivessem ido (e gostado! amado! curtido!) Quem não se lembra do burburinho que deu quando The Shed at Dulwich (tradução: O Galpão de Dulwich), um restaurante que nunca existiu em Londres, nem em nenhum outro lugar, exceto nas redes, chegou ao topo do ranking do Trip Advisor?
Nesse filme italiano, há um certo apelo à gastronomia, mais pra render audiência, já que o tema dá liga (ouça o podcast do Minestrone sobre a construção do imaginário do chef de cozinha), do que pela gastronomia em si. Pode-se dizer que a gastronomia é cenário ou que é por meio dela que o enredo se alinhava, mas poderia ser um ateliê de costura ou de arte. Daria no mesmo. Mas gastronomia é o nosso negócio, o filme usa uns clichês gastronômicos e a gente tá aqui tratando dele.
Apesar disso, a comédia dramática é sobre dois pacientes psiquiátricos e suas agruras tanto para assumir seus problemas, como para reinvindicar que situações como as deles precisam da compreensão da sociedade e não de exclusão.
O encontro de Diego e Clara mostra quão hostil é o ambiente social em que eles precisam sobreviver. Vítimas e algozes de suas próprias condições de saúde mental, eles, como outros coadjuvantes do filme, sofrem a resistência que impõem a si mesmos para assumir que necessitam de ajuda, mas, nem sempre contam com a devida compreensão e confiança daqueles que deveriam cuidar deles ao invés de ameaçá-los e/ou puni-los.
Para a gastronomia, sobrou o lugar comum (nem sempre real) que são a gritaria e a pressão de uma cozinha profissional. Além disso, restam imagens e efeitos de encher os olhos, a comida de afeto feita para a filha de Diego e a reflexão sobre a estrutura e o treinamento necessários para que as brigadas de cozinha e salão cumpram com eficiência suas tarefas de bem produzir comida e realizar atendimentos impecáveis.
O filme não é tolo e ultrapassa a superficialidade sem deixar de oferecer entretenimento, boas risadas, fotografia de primeira e clichês sobre marketing e gastronomia. Entre o óbvio e o previsível há uma boa dose de diversão e delicadeza. Por isso, ele transcende facilmente os dez minutos que meu marido e eu damos para procurar um outro título quando um filme claramente não vai render bons noventa ou cem minutos de distração ou reflexão.
Uma observação: não leve em conta o resumo que a Netflix oferece para apresentar o filme, não tem nada a ver, mas assista. Até porque você ainda não sabe o que é que Marilyn tem a ver com a gastronomia, sabe?
Ficha Técnica
Título: Os olhos negros de Marilyn. (2020). 110 min. Comédia, drama. Direção: Simone Godano. No elenco: Miriam Leone, Stefano Accorsi, Thomas Trabacchi
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