Para alguém como eu, andar por Havana é pensar o tempo todo na revolução. Não tem como não observar, comparar, refletir e até mesmo julgar, ainda que isso não seja a melhor atitude.
Há momentos em que a gente é só ser humano e não consegue abstrair nem contextualizar a revolução. Mas, nessas horas, é preciso cuidado porque podemos estar sendo tomados por tudo o que nos foi, durante a vida toda, bombardeado em termos de ideologia contrária ao comunismo e ao socialismo.
Por isso, a cada passo dado numa calçada quebrada e suja, antes de achar que isso é um descuido, um desleixo ou falta de vontade de consertar, acabava discutindo internamente o significado e os resultados da revolução, assim como as duras penas de sua implantação e da manutenção de um ideal socialista, numa distância tão curta dos Estados Unidos, nação tão forte e sumariamente contrária a isso tudo.

Isso já é motivo suficiente para não julgar. Qualquer olhar maniqueísta sobre Cuba incorrerá em erros de avaliação. Além disso, por que é preciso definir vilões e mocinhos? Isso é coisa de cinema. Na vida real, não há quem seja só do bem ou só do mal.
Fidel Castro e a presença de sua revolução nas ruas de Havana
Por sinal, vamos falar de Fidel Castro. Ele está em toda parte. Há retratos dele pendurados nas paredes das casas das pessoas (já que lá é verão o ano todo, é possível dar uma espiada quase sem querer, só por curiosidade, dentro das casas que, comumente, ficam com as portas e janelas abertas), nos bares e restaurantes, nas repartições públicas, em outdoors, na fachada de edifícios, nos lobbies dos hotéis e deve haver em outros que não vi. Ele é uma presença constante, assim como Che Guevara cuja imagem é usada até hoje para dar força ao ideal da revolução socialista.
Depois de ficarmos num hotel péssimo, pertencente ao Estado, de nome Bruzon, por três noites, nos mudamos para a casa de uma família cubana, onde ficamos as duas noites seguintes. Essa casa fica em Havana Vieja, na rua Montesserrate, bem próxima ao Museu da Revolução. Ali, fomos hospedados numa acomodação credenciada pela Secretaria de Turismo, ou seja, autorizada devidamente para essa finalidade. Há muitas pessoas que se hospedam assim em Havana. É um jeito interessante de ver como funciona o cotidiano na vida do cidadão comum e também pagar menos que se pagaria num hotel turístico de melhor qualidade.
Na residência que ficamos não havia fotos de Fidel, nem de Che Guevara, nem de Camilo Cienfuegos, o terceiro membro do trio. Nossa anfitriã, uma agente de turismo qualificada, no entanto, fala, além de espanhol, inglês, italiano, francês e um pouco de russo. Ela nasceu em 1971 e foi criada sob o regime socialista. Seus filhos vão à escola gratuita e têm um bom sistema de saúde público que os assiste, assim como ela, o marido e todos os cubanos. Como trabalha com turismo, ela viaja bastante para outros estados fora de Havana, mas dentro da ilha. Para outros países, é mais difícil.
Nós a vimos trabalhando ao telefone e no computador até bem tarde, mais de meia-noite. Não a vimos reclamando de nada e, quando conversou conosco, estava muito bem informada sobre o que estava acontecendo no Brasil naqueles dias. Sobre Cuba, ela acha que pode vir a abertura do bloqueio americano que vem sendo ventilada e os jornais tanto noticiaram, mas não discorre a respeito.
Um taxista com quem conversamos nos contou que Fidel Castro mora na zona zero e que ele quase não é visto.
O garçom com quem briguei no restaurante em Havana Vieja acusou meu país de ser muito pior que o dele.
A vendedora de charutos do hotel de Varadero garantiu-me que o segundo melhor café do mundo é o cubano, e o primeiro, é da Colômbia.
Nossa guia na visita à fábrica de charutos nos perguntou se costumávamos fumar “puros” alertando-nos que os charutos da Guatemala e os dominicanos não fazem bem à saúde, só os cubanos.
A mim, me parece que, em comum, todos têm um sentimento patriótico. Esse pode ser o grande legado castrista. Ou não.