Convidado Especial: Guilherme Aleixo Hungria
Quinta-feira é dia de convidado. Amanhã, continua a série sobre Cuba.
Escrever sobre livros requer alguma ousadia. Não bastam opiniões, é preciso ter boa compreensão daquilo que foi lido.
No mês passado, publiquei um texto sobre o livro de Michael Pollan, Em Defesa da Comida e, em janeiro, outro sobre meu presente de início de ano, o livro 400 g – Técnicas de Cozinha. Foi quando o Guilherme me sugeriu que lesse também outros dois, um do Antonio Bourdain e outro sobre uma visão da história da humanidade a partir das bebidas.
Foi mágico! Por que não pedir que ele próprio escrevesse sobre os livros, já que escreve tão fácil e leve e sabe apreciar com critério tanto livros quanto comida? Pedi e ele aceitou. Que alegria!
Apresento então o convidado especial de hoje: Guilherme Hungria.
Meu colega durante alguns anos que estive na Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos, dividimos a sala e algumas tarefas para atender as demandas da imprensa e do Palácio dos Bandeirantes na área de comunicação da Secretaria. Certa vez, ouvi dele que poderia ser crítico gastronômico porque tem bom paladar e sabe o que é bom e o que é ruim. Concordo.
Por isso, sob o critério do nosso convidado especial, recomendações de leitura. Apreciem.
Obs. A marcação do parágrafo e texto justificado são características marcantes do Guilherme. Dá pra notar?
Dois livros sobre gastronomia
Com o aumento do interesse pela culinária, naturalmente, tudo o que envolve o assunto, cresce igualmente. E o mercado editorial, sem dúvida, também se beneficia. Publicando livros recheados de fotos espetaculares, de receitas nem tão deslumbrantes assim, ou mesmo os títulos dos chefes pop stars. Enfim, hoje temos acesso à gastronomia de todas as partes do mundo, ao alcance de uns reais, de uma virada de página. Entretanto alguns títulos fogem do lugar comum das receitas.
Um deles é “Cozinha Confidencial”, do Anthony Bourdain. Pra quem não conhece, o autor é um chefe de cozinha novaiorquino, apresentador de televisão e lutador de jiu-jitsu nas horas vagas. Em seus programas Bourdain viaja pelo mundo provando os pratos e as culturas locais, inclusive do Brasil. Já no livro, seu primeiro, ele mostra com humor e sinceridade, que o mundo maravilhoso de Ofélia, não é bem assim. Sabe tudo o que você quis saber sobre o que acontece nas cozinhas, mas talvez não o fizesse por medo do que irá saber? Pois então, as respostas estão lá. Nele, o autor, além de despejar histórias pessoais, onde não faltam drogas, excessos e picaretagens, faz o papel de Mister M dos restaurantes, desvendando os segredos mais bem guardados, e nem tão dignos, dos estabelecimentos em que trabalhou. O triste é que, segundo ele, esse é o modus operandi em qualquer lugar do mundo, ou pelo menos era quando foi lançado em 2000. Infelizmente, também, “Cozinha Confidencial” está fora de catálogo no Brasil (alô, Companhia das Letras!), mas é possível encontrar para baixar em PDF. Outra alternativa, pra quem entende um pouco de inglês, é o artigo que deu origem ao livro, publicado na New Yorker Magazine e disponível no site da revista (http://www.newyorker.com/magazine/1999/04/19/dont-eat-before-reading-this).
Se o livro de Bourdain, com suas indiscrições reveladoras, não é o mais indicado para ser o tema de uma conversa à mesa de um restaurante, “História do Mundo em 6 Copos” (Editora Zahar), tem tudo a ver….tá bom, vá lá: harmoniza muito bem com o papo em qualquer jantar com amigos. Escrito pelo inglês Tom Standage, editor da revista Economist, aborda a história do mundo sobre a influência de seis bebidas. Da cerveja, na Mesopotânia e antigo Egito à Coca-Cola na América do Norte, passando pelo vinho, destilados, café e chá.
Muito do que somos e vivemos hoje, acredita Standage, é resultado da influência destes líquidos. Por exemplo, a cerveja ajudou no desenvolvimento da escrita, para ajudar os egípcios a ter o controle dos estoques. O vinho teria desempenhado papel importante na disseminação da cultura grega por outras partes do mundo. Entre os destilados, temos o rum, cuja origem está na cana-de-açúcar brasileira, usado como moeda na compra de escravos e posteriormente como remédio contra o escorbuto, comum entre os marinheiros da época. A Rebelião do Uísque, no recém independente Estados Unidos da América, foi fundamental para afirmação das leis federais no país. O comércio do chá, além da influência na expansão do Império Britânico, foi o que fez com que os chineses criassem o papel moeda. O café, tomado em espaços públicos na Europa, fomentou debates que mudaram o mundo. Em relação à Coca- Cola, Standage faz uma comparação com o papel do chá na história do Império Britânico, para ele a ascensão dos Estados Unidos à superioridade global tem seu paralelo na história do refrigerante.
Aqui estão apenas dois exemplos da literatura gastronômica a serviço do ócio, relaxamento e do conhecimento. É claro que temos outras opções de leitura, tão boas quanto. Como este blog.
Sobre o autor
Guilherme A. Hungria é jornalista e trabalha atualmente como assessor de imprensa na Alesp – Assembleia Legislativa de São Paulo.