Minha mãe tem tantos cadernos de receitas, que já perdi a conta. Alguns deles ou quase todos, começaram organizadinhos com divisão para doces e salgados, com título em caneta vermelha e separação entre os ingredientes e o modo de preparo. Depois de algum tempo começam a se identificar com o jeito dela de escrever as receitas: letra corrida, informações um pouco desordenadas, sem separação de linhas e tudo numa só cor de caneta, se começa azul, assim também termina.
No entanto, há informações que nunca faltam. O nome da receita no alto e de onde ou de quem ela veio, na maior parte das vezes entre parênteses. Não tem data. Se tiver, é fato raro.
Conforme os cadernos vão sendo usados, eles ganhando alguma farinha, uns respingos de óleo, chocolate em pó e aquele amassadinho na orelha inferior onde a gente puxa a página para virar.
Como disse, minha mãe tem muitos cadernos de receita, muitos mesmo! Mais de 10, de 15, de 20, talvez. Não são livros, são cadernos que contém manuscritos feitos por ela e, às vezes por outra pessoa que escreveu uma receita especial. Também tem recortes soltos de receitas de jornais ou revistas e outros colados. Quase não há figuras. Curioso e bonito é que esses cadernos têm tanta história que conforme a gente vira as páginas pode encontrar um rabisco feito por um dos filhos (eu, meu irmão Júnior ou minha irmã Cristina), ou netos (minha mãe tem quatro meninas e um menino) que conta mais ou menos a idade que criança tinha e, portanto, contextualiza a receita de alguma forma.
Tem um dos cadernos que o mais usado. É um caderno pequeno, mas grosso, acho que 150 folhas, de capa dura e encapado com tecido estampadinho que já foi trocado pelo menos umas três vezes, pelo que me lembro. Recordo-me bem de quando ele foi começado, mas, na verdade, não sei se ele não era originalmente da Cris. Fato é que ela é que foi incumbida de passar a limpo as receitas de outros dois cadernos mais antigos.
Isso me lembrou ainda uma outra história engraçada que aconteceu com os cadernos de receita da dona Neuza. Certa vez, tendo meu irmão começado o curso de datilografia na dona Emília, minha mãe mandou que ele escrevesse à máquina todas as receitas de dois cadernos. Passado algum tempo, ela notou que o menino ia ticando cada página já copiada com um risco de cima abaixo. Feliz da vida foi verificar o trabalho já concluído. Surpresa foi que ele só tinha copiado os ingredientes das receitas, não se importando com as demais informações, nem sobre o preparo, nem quanto a origem, nem nada. Ou seja, ele tinha matado totalmente a tarefa, sem entender porque precisava de mais que os itens dos ingredientes. Minha mãe ficou furiosa! Porque, além de tudo, ele tinha rabiscado os cadernos originais.
Só mais uma prova de quanto esses cadernos fazem parte da família…
Anteontem à noite, estava em Itu, na casa da mamãe, e fui preparar uma pizza de arroz. A receita começava com as duas xícaras de arroz. Bate-pronto peguei o ingrediente e pus no liquidificador. Dona Neuza veio brava e disse: – Não! Primeiro os ingredientes líquidos. Só que a receita começava com o arroz… Pra mim, na lógica que aprendi na gastronomia, os ingredientes são apresentados na receita na ordem em que vão sendo colocados no preparo. Do primeiro ao último. Mas não é assim em cadernos de cozinheiras! É a prática, o jeito de cada um o que prevalece.
No caso da minha mãe, oras, como seria diferente? Ela sabe tudo de cabeça, de cor. Quer a receita? Pode copiar. Quer aprender a fazer, converse com ela, acompanhe a execução, fique por perto, sinta o cheiro, verifique o modo como mexe a panela ou amassa o pão… Não se ensina, mas se aprende.
Soube pela Cristina Damélia, que os cadernos de receita da mãe dela foram postos no lixo durante uma mudança. Doeu meu coração quando soube. Fiquei triste, de uma tristeza saudosa da Amélia. Algumas das receitas, eu já tenho e ofereci pra Cristina copiar. O jeito de fazer, ela deve saber bem melhor que eu. Porque os cadernos de culinária são tesouros de família!
Comecei esse texto pelo título. Era pra ser: Pão doce de mandioquinha – Feliz Páscoa.
Coisa boa de escrever conforme a criatividade vem, é isso. Você pode derivar, viajar pelas lembranças e falar de outros assuntos. O pão de mandioquinha, prometo que publico amanhã. Igualzinha a sequencia do caderno O restante do título pretendido, desejo já: Feliz Páscoa! Essa é a festa religiosa que eu mais gosto.
Boa semana!
Me identifiquei! Já até escrevi no Utensílios sobre meus cadernos de receita. E estou agora prestes a terminar meu caderno favorito. Contam histórias, muito além de receitas. 🙂