Aprendi a comer comida japonesa com meu amigo André. Lembro das primeiras vezes que pus um peixe cru na boca e (como boa descendente de italianos bem brasileiros que sou, filha e neta dessa gente do interior de São Paulo que cozinha muito qualquer alimento até ficar bem molinho e papa e que põe muito açúcar em tudo que já é doce), o preconceito me impediu de engolir.
Depois fui tomando gosto, o paladar foi mudando também e a cada vez que eu me metia a comer sushi, sashimi e todas as variações dessa culinária tão diversa e colorida mais eu gostava.
Como minha escola foi em casa de japoneses (os mais brasileiros em termos de calor humano que eu conheço), posso dizer que aprendi direitinho. Inclusive a manusear o hashi (palitinho japonês) sem nunca ter colocado um elástico na ponta para não escapar. Gosto muito de comida de japonesa, aprecio os peixes, admiro os cortes bem feitos e a forma de servir.
Hashi |
Com o André eu estive em inúmeros restaurantes na cidade de São Paulo. Ele é criterioso com a qualidade do alimento e descobre lugares interessantes, quase sempre com a relação custo-benefício que vale a pena.
Ontem, o André e eu combinamos de sair para conversar. Parece que essa semana foi uma atípica semana de muita saudade dos amigos e de tudo o que vêm com eles. O colo, o carinho, as trapalhadas e as histórias insanas que só declaramos para quem a gente tem intimidade de amigo… Sorte a minha que pude encontrar o André, abraçá-lo, conversar por horas sem acabar o assunto um só instante. Hoje acordei mais feliz, animada, embriagada de gratidão por ter gente como ele na minha vida. Sinto o mesmo quando encontro a Euzi, a Re, a Fá, a Lu, a Maria, a Lili, a Ale, a Paula, a Carol, a Kelly, enfim, amigos preenchem um vazio da alma com a própria existência. Nem precisa mais nada.
Divagações e sentimentos à parte, quem acabou escolhendo o restaurante fui eu. Procurei referências na internet de um lugar em Santa Cecília, que é quase a nova Vila Madalena de Sampa no momento, segundo a mídia. Por acaso, coincidentemente, eu moro na Vila Buarque (entre Higienópolis e Santa Cecilia), e encontrei um restaurante japonês com bons comentários. Além do que o preço parecia bem convidativo.
O nome do restaurante é Toshiro Sushi. Fica na Rua Martin Francisco, bem próximo à alameda Barros.
Diferente da minha expectativa ao ler os comentários na internet, esse é um restaurante japonês com cara de McDonald’s. Limpo, organizado, sem espera na porta, com mesas e cadeiras não muito confortáveis, mas de qualidade razoável, nada de cadeira de plástico, que eu odeio!, e atendimento rápido, bem rápido.
Mal chegamos, fomos para uma mesa de duas pessoas, na qual uma das duas fica sentadinha no sofá, logo já veio um garçom com um tablet em mãos para anotar o pedido.
– Rodízio para dois?
Confirmado o pedido, ele tinha que saber quais os itens que iríamos comer. Só que estava tão sem vontade de fazer aquilo que falava baixo, pra dentro, sem humor, sem elegância e sem ouvir, claro!
Julgo que o sistema de atendimento seja todo automatizado, porque tão logo ele virou as costas, já colocaram sobre a nossa pequena mesa de dois lugares quadradinha: sunomono (saladinha de pepino com gergelim), guioza, rolinho primavera, salmão grelhado, temaki de salmão, shitake na chapa e, imediatamente um prato de combinados. Tudo junto, itens que pedimos e que não pedimos foram entulhados sobre a nossa mesa, inclusive em frente à nossa louça, onde comeríamos e mexeríamos o hashi e as mãos.
Nenhuma toalhinha molhada e quentinha para limpar as mãos, nenhuma pergunta sobre se a comida estava descente e se o pedido estava correto, nem sequer um olhar ao cliente. Nem mesmo um “obrigado” ou “desculpe” quando chamamos o garçom para que levasse o prato recém-servido de salmão grelhado que não pretendíamos comer, já que não havíamos pedido, e tivemos a preocupação de avisar em ato contínuo para que não fosse desperdiçado e pudesse ser servido numa mesa próxima, visto que não fora tocado.
Toalhinhas quentinhas e molhadas |
Enquanto comemos e conversamos, o que levou cerca de duas horas, nas mesas coladas às nossas, a rotatividade foi de, no mínimo três duplas em cada uma.
Em algum momento, o volume das vozes no salão estava beirando a gritaria. Já não dava mais pra conversar. Embora ninguém nos tenha expulsado dali verbalmente todos os movimentos do atendimento conduziam a isso.
A comida, mesmo o peixe estando com aspecto fresco, era mal feita. Cortes mal feitos, finos demais, sushis mal montados, arroz sem gosto, variedade de itens discretamente disfarçada por três ou quatro itens dos mesmos elementos e ingredientes, nenhum gengibre cortado e uma porção pífia de wasabi (raiz forte) de qualidade duvidosa. Isso sem mencionar travessas de plástico usadas para servir os combinados, ah! e a beterraba fatiada em fio junto do nabo que normalmente ilustra a montagem dos pratos japoneses quando são servidos.
As nossas louças e hashis foram retirados da mesa sem que manifestássemos que havíamos terminado e sem que alguém nos perguntasse se poderiam ser levados. Não nos ofereceram água, café, ban-chá, nem se queríamos repetir algum item.
Bule usado para servir ban-chá |
Ao pedirmos a conta, fomos informados de que o pagamento deveria ser feito diretamente no caixa. Foi o que fizemos, informando o número da nossa mesa.
Fora a companhia que faria qualquer noite ser agradável, o restaurante é bem ruim. Um fast food de comida japonesa bem paulista e oportunista. Essa culinária que acreditamos como típica do Japão entrou no gosto do paulistano há muito tempo. Agora está também pulverizada no interior e em outras capitais.
Ao contrário da “gourmetização” dos sorvetes de palito, a comida japonesa sofre a decadência de ser servida nas condições que descrevi acima.
Mas trata-se de um modelo de negócio, Claudia! Simplesmente isso.
Bom negócio para o dono do estabelecimento que ganha bastante dinheiro porque gira muitas vezes e muitos clientes. Bom para os mocinhos mal preparados que são chamados de garçons, mas estão longe de saber o que é servir. Bom para as pessoas que nunca teriam acesso a esse tipo de comida se não houvesse popularização.
Ruim em todos os demais aspectos: empobrecimento de uma culinária rica, fértil, delicada e muito saborosa, se bem feita; desvalorização da arte de bem servir com elegância, cuidado e atenção, ato que dá imenso prazer e é válido em qualquer profissão, mas, especialmente na do garçom, do maitre e do restaurater; mecanização das relações humanas; perda de oportunidade de oferecer outros itens ao cliente melhorando as vendas e aumentando o potencial de o cliente voltar outras vezes…
O pior de tudo é que o cidadão que vai a esse lugar acha que está comendo comida japonesa.
Não recomendo. A menos que sua intenção seja só encher a barriga, aí, qualquer coisa serve. Do contrário, há muitas boas opções de restaurantes japoneses em São Paulo.
Fiquei muito feliz pelo nosso reencontro de ontem. No fundo, eu nem me importei tanto com a "comida japonesa por kilo" que nos serviram. Trocamos tanta energia boa que a alma ficou cheia de gratidão e luz. Beijos. André