Convidado Especial: Chef Marcelo Santos
Há um ano escrevi e postei pela primeira vez neste blog. De lá pra cá, já foram 205 postagens, incluindo esta.
Todos os dias penso nele. Todos os dias me dedico com carinho ao que vou pesquisar, ao que quero publicar, ao tom que vou dar ao texto para que seja leve e gostoso de ler, sem deixar de trazer conteúdo e de ser informativo.
Nesse um ano, trabalhei mais do que em muitos outros, por mais que não pareça. Aprendi tanto, em especial, descobri que sou muito mais jornalista do que pensava. Tenho a maior cara de pau e me aproximo de gente que acho interessante e que me ensina, porque quero que outros também aprendam. Então, procuro informações de contato, ligo ou mando e-mail, SMS, sinais de fumaça, faço contato pelo Facebook, pelo Linkedin, no Pinterest, no Instagram… não importa. Descubro gente legal e peço para ser parceiro, para dar entrevista, para escrever como convidado. Acho que tem sido bacana.
Nesse caminho, encontrei um mestre à distância. Sensato e delicado ao falar comigo, sempre retornou todos os meus contatos, incentivou meus textos publicados em redes sociais com palavras encorajadoras e muito importantes para quem está começando.
Agora, tenho a honra de publicar um texto desse professor, o chef Marcelo Santos. Ele escreveu especialmente para o Blog da Gavioli e eu quis publicá-lo num dia que é especial: o primeiro aniversário do blog.
O texto não poderia ser mais pertinente porque é uma reflexão sobre a formação do chef de cozinha.
Botando a boca no trombone…
A realidade de uma cozinha profissional não é passada em sala de aula
“Terminou o colegial e é hora de escolher minha profissão” este é o pensamento da grande maioria dos jovens que estão na faixa etária dos 16 aos 18 anos.
Escolher uma profissão envolve uma série de coisas que precisam ser levadas em conta, mas, principalmente a vocação. Testes vocacionais existem para descobrir onde o futuro profissional terá maior chance de sucesso na carreira e apesar disso, são pouco buscados hoje em dia, a grande maioria observa as profissões mais relevantes ou que estão em alta algumas vezes por causa da “moda”.
Isso acontece também na gastronomia, aliás, é uma das profissões em que mais e mais alunos ingressam nos cursos por causa do “status”, “Ser chef é chic!” dizem alguns.
Os cursos de gastronomia atuais tem origem nos profissionalizantes de antigamente e sofreram algumas mudanças inclusive no nome, o que antes era: “curso profissionalizante de oficial cozinheiro ou meio oficial cozinheiro”, hoje é: “curso tecnológico de gastronomia”.
A mudança ocorreu por causa de certas necessidades do mercado em formar profissionais que precisam ter o mesmo conhecimento que alguns chefs vindos de outros países têm e para trabalhar no mesmo ritmo e também entender como a gastronomia fora do Brasil funciona.
Um curso tecnológico é exatamente isso, forma tecnólogos, profissionais que sabem técnicas, como aplicá-las e como difundi-las. Entretanto, boa parte do conteúdo que fará diferença na hora da “mão na massa” fica de fora por dois principais motivos: o pouco tempo que esses cursos têm para passar todo o conteúdo, apenas dois anos, e o acúmulo de conteúdo dentro desse tempo.
Boa parte dos formandos em tecnologia da gastronomia, não tem acesso ao conhecimento real. Nem mesmo nos estágios, que servem muito mais para explorá-los na cozinha e que não dão base para aprender e compreender como uma cozinha deve ser gerida, aliás, esse é um dos principais conteúdos que fica totalmente de fora do curso.
Comparado aos cursos de fora do Brasil, a formação profissional do tecnólogo em gastronomia é deficiente. No conteúdo, muitas matérias são vistas quase que sem atenção nenhuma e é muito fácil ver um formando que não sabe, por exemplo, calcular porções ou como se devem armazenar certos alimentos. Isso sem falar em legislação, administração e outros assuntos de extrema importância que não existem como parte do conteúdo.
Outra diferença é que a maioria que se forma acha que sairá da faculdade como chef de cozinha, quando, na verdade, a faculdade forma cozinheiros. O engano começa a partir do balcão de vendas dos cursos, onde a forma de vender usa a ilusão e não a realidade.
Essa é uma das causas que leva boa parte dos alunos a desistir dos cursos, o que é vendido, não condiz com a realidade do dia a dia da profissão.
É claro que houve uma evolução com as mudanças feitas nos cursos profissionalizantes, mas, há ainda outras muito mais importantes que precisam ser feitas, a começar pelo tempo do curso: dois anos não é o bastante, são necessários quatro anos para se formar um profissional.
Fora do Brasil, os cursos são de bacharelado e não de formação técnica e tem duração de quatro anos e há ainda especializações com extensões que podem chegar até dez anos a mais de estudos, como é o caso daqueles que se interessam em se tornar “Sushi Masters”.
Na gastronomia, cada conteúdo deve ser ensinado na teoria e na prática, o que não acontece aqui. A maioria sequer vê pratica de verdade, quando estão estagiando, passam pela mão de profissionais que os colocam para fazer os mais variados serviços, mas, pouco se ensina aos formandos.
Como um formando poderá ser um dia chef se ele não aprendeu a lavar panelas?
Como ele vai comandar uma cozinha e estar preparado para assumir responsabilidades se ele não sabe como fazer a administração de uma?
Como ele vai cobrar dos seus cozinheiros que observem e apliquem práticas de segurança alimentar se esse conteúdo foi passado no método “relâmpago” durante o curso, isto é, quando é passado, porque existem cursos que não falam sobre isso de jeito nenhum e eu já ouvi que: “isso é coisa para nutrólogo ou técnico em segurança” de vários professores.
Nutrição, esse é outro conteúdo que nem em sonho está nos cursos, então, como o formando vai combinar alimentos e tornar suas receitas saudáveis?
Entre as diversas mudanças que precisam acontecer no conteúdo dos cursos de gastronomia, essas são apenas algumas das principais que ajudarão a formar profissionais realmente preparados para enfrentar o dia a dia de uma cozinha.
O chef de cozinha é em sua essência um cozinheiro e nunca deixará de ser, a posição de chef é conquistada com muito trabalho, treinamentos constantes, estudos e pesquisas que devem ser colocados em prática.
Uma revolução precisa acontecer nos cursos de gastronomia no Brasil porque dela nascerão profissionais que elevarão a cultura gastronômica brasileira ao reconhecimento internacional e trarão aos futuros formandos a possibilidade de aprender com grandes mestres e se tornarem também grandes mestres.
As faculdades e universidades precisam rever a qualidade do ensino e buscar o equilíbrio entre vender seus cursos e formar bons profissionais, para isso, conteúdo, teoria e prática precisam ser equalizadas no tempo para que os alunos aprendam melhor e saibam o que o mercado de trabalho espera deles e para que as faculdades ganhem o status que tanto buscam, formando profissionais reconhecidos.
Na versão das faculdades sobre este assunto a coisa muda de figura, os coordenadores dizem que há prática em seu curso e alguns arriscam dizer que chegam a 80%, no entanto, que tipo de prática é passada?
Aprender a fazer receitas? Isso é tão simples quanto calçar os sapatos. Hoje em dia, basta um celular e acesso a internet, e lá estarão as receitas mais famosas executadas por chefs incríveis com técnicas que vão do tradicional ao fusion e molecular.
Estimular estágios é outra maneira de dizer elegantemente que o aluno passará a ter uma forma de aprender sem aprender nada, pois, nenhuma faculdade monitora os estágios, portanto, a “prática” não garante aprendizado.
A realidade de uma cozinha profissional não é passada em sala de aula, seja ela 60, 70, 80 ou 100% prática. Por mais que imaginem que um aluno sairá preparado para qualquer função na cozinha, ele sai absolutamente cru e somos nós profissionais é que os lapidamos, isso quando ele, o aluno, nos permite, porque na maioria das vezes ele some logo nos primeiros dias de trabalho.
Expansão do mercado, concordo, procura por causa de TV, também, não existe glamour na venda do curso, isso eu duvido, pois, a maioria dos alunos confessa que ouviu do balconista ou vendedor a possibilidade de sair chef.
Grades equilibradas para dois anos entre teoria e prática, não mesmo, em dois anos não se forma e nem se prepara ninguém para mercado principalmente na gastronomia.
Estudo contínuo, sim. Isso sim é coerente e não é só em cursos livres ou fora do país, o aluno, formando, recém-formado ou profissional deve cair de cabeça nos livros em casa.
O futuro da gastronomia brasileira depende de diversos fatores, mas, o futuro da formação depende de se regulamentarem os cursos de gastronomia como bacharelado e não tecnológico. Um curso tecnológico, neste caso, compacta conhecimento, corre feito coelho atrás da cenoura, impede a absorção correta dos conteúdos, não dá o tempo necessário para formar um profissional preparado para ingressar na carreira.
Reconhecimento financeiro é necessário, mas, enquanto a profissão não for devidamente reconhecida, isso não vai acontecer e depende também diretamente de que os cursos formam um tecnólogo, não é um bacharel. Logo, seu salário será expressivamente menor e as condições de trabalho serão colocadas à margem até que ele prove seu valor.
A disparidade nessa batalha é descomunal e poderia ser equilibrada com a ajuda de quem forma, um único profissional se destacando em cada 100 formados, quando poderia ser diferente se houvesse outra realidade e outra preocupação.
Sobre o autor:
Marcelo Santos é chef de cozinha, professor de gastronomia, consultor de Alimentos e Bebidas e escritor. Um amante da boa mesa, tem uma empresa de consultoria e treinamentos voltada à formação profissional, adequação e modernização e empresas e negócios gastronômicos. http://www.ffcconsultoriagastronomica.com/