Convidado Especial: Giuliano S. Deliberador
Giuliano é advogado. Brilhante. Boa gente no trato, inteligente e hábil para resolver questões difíceis.
Trabalhamos próximos e distantes nos tempos em que ambos atuávamos no Governo, o que nos deu a chance de nos encontrarmos diversas vezes em viagens pelo interior do estado de São Paulo. Foi numa dessas que descobri sua paixão por tubaína. Ele é um degustador do refrigerante. Em cada lugar que íamos, especialmente, nas cidades menores a quilômetros de distância da capital, lá ia o Giuliano procurar a tubaína local.
Curioso pensar que alguém que já experimentou tantos sabores e sabe dar dicas de Onde comer em Orlando, coisa que descobri no blog A dica é, mantenha tanto apreço pelo refrigerante brasileiro. Por outro lado, nada surpreendente para quem o conhece um pouco e sabe o valor que ele dá para as coisas.
Valores que ficam claros nas entrelinhas do texto abaixo. Cheio de lembranças, chamando a memória de quem lê com graça, pelos sentidos do paladar.
Obrigada, Giuliano. Estou muito contente que aceitou meu convite.
Minha Pátria é o meu refri
Equívoco. Muita gente usa este termo com sentido de engano. Não está errado. Acontece que a palavra tem ainda outro sentido, quando assume a função de adjetivo para qualificar termos que carregam múltiplos significados.
Uma dessas palavras equívocas é justamente aquela que designa o objeto desta conversa: tubaína.
Tubaína é o nome de um simpático bar em São Paulo, de uma banda clássica do Rock paulista (se você não conhece, ouça Surf em Birigui- é verdadeiramente uma experiência). Porém, é sobre outro dos significados da palavra que vamos falar aqui: o refrigerante.
Diz a história que o termo surgiu através de um refrigerante produzido por um empresário italiano em Jundiaí, no estado de São Paulo (o curioso é que o refrigerante- que ainda existe- se chamava Turbaína), que se disseminou pelo Brasil entre as décadas de 1940 e 1950.
Em geral, a primeira coisa que vem à cabeça de qualquer pessoa ao ouvir Tubaína é pensar numa bebida doce, altamente calórica, feita à base de guaraná, em geral barata e de qualidade duvidosa. Mentes mais elevadas, porém, que têm a sensibilidade para a poesia da gastronomia “roots” brasileira sabem que ela é muito, muito mais do que isso.
Em primeiro lugar, porque é impossível ter certeza do que se trata exatamente um refrigerante batizado de tubaína antes de prová-lo. Qualquer refrigerante alternativo, isto é, fora aquelas gigantes encontradas em qualquer supermercado deste país, pode ser chamado de Tubaína. Disso nasceu até mesmo o sufixo “ína”, que batiza refrigerantes dos sabores mais exóticos, como a Cajuína, patrimônio cultural da cidade de Teresina que acabou batizando até música do Caetano.
O clássico, porém, é uma bebida de aspecto pouco mais escuro que o guaraná comum, mais doce e saborosa, quase sempre apresentada sob o sabor “tutti-fruti” numa garrafa como aquelas de cerveja de 600 mL. E é aí que a coisa se torna mais interessante: não existem duas Tubaínas iguais. Cada bebida conserva em si uma identidade própria, abrindo espaço para deliciosas descobertas a cada gole (pessoalmente, devo ter experimentado umas 50, absolutamente todas diferentes umas das outras).
Ela não é como a Coca-Cola, que você encontra sempre, em qualquer lugar, da América à Ásia, quase 100% igual à que você toma em casa. Num planeta globalizado, de comunicações, fluxos e sabores instantâneos e homogêneos, a Tubaína encarna, quando comparada à Coca, a dicotomia unidade X fragmentação que define o mundo contemporâneo.
Além disso, em geral, essas bebidas são distribuídas apenas em escala regional (talvez a grande exceção seja a Itubaína, do grupo Schin, que ainda assim conserva a referência à cidade de Itu, berço do grupo). Ela é como o marco de uma cidade, de uma região. Na minha opinião, isso é o que torna a Tubaína mais especial: para experimentar uma Tubaína, você tem de ir até ela, ela não virá até você. Daí para fazer parte das lembranças de alguém que, por qualquer razão passou parte de sua vida em um lugar diferente daquele que está hoje, basta um pulo, ou melhor, um gole.
Num Brasil que hoje, segundo o IBGE, tem 85% de sua população morando em cidades, a Tubaína virou uma espécie de pièce de résistance, que transporta as pessoas para uma vida que não mais existe (ou pelo menos existe para cada vez menos pessoas), interiorana, bucólica, idílica até. Como não associar, por exemplo, a deliciosa Vencetex, produzida na simpática Guararapes, à região do baixo Tietê, no estado de São Paulo. Ou então a clássica Cotuba à pujante região de São José do Rio Preto.
Porém, falar de Tubaína é falar de lembranças pessoais. E vou trazer a minha preferida aqui, convidando a dona do Blog e seus distintos visitantes a fazerem o mesmo na caixa de comentários.
Por conta de ligações familiares, desde criança vou, de tempos em tempos, a Londrina, norte do Paraná. Perto dali, na deliciosa Cianorte, logo na entrada da cidade se avista uma caixa d’água em formato de garrafa que anuncia aos visitantes que eles estão diante de um tesouro: a fábrica dos Refrigerantes Gold Scrin. Dali saem verdadeiras iguarias sobre as quais poderíamos passar horas discutindo, mas para não fugir ao tema, falemos do seu carro-chefe: a TubaGold, que em 2013 foi agraciada com o prêmio de segunda melhor Tubaína do Brasil no Concurso Sabores do Brasil, promovido pela Afrebras (Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil).
Muito antes do prêmio eu já sabia que a TubaGold é uma Tubaína clássica, saborosa. Tem a doçura na medida certa, e é um oásis no calor escaldante de Cianorte. Não dá para não associar a cor escura, característica das Tubaínas, ao vermelho-alaranjado da terra da região, que me rendia belas broncas no final do dia, já que eu, moleque de São Paulo, pirava ao brincar rolando pelo chão da fazenda dos meus tios Edson e Guida, tingindo minhas roupas com aquela terra, que custava a sair. Apesar da bronca, o dia sempre terminava feliz, tomando tubaína no jantar na companhia dos primos.
Esse meu relato é a prova do poder que a tubaína tem de transportar a gente ao passado, à infância. Se hoje se fala muito em confortable food, não há como negar a esse refrigerante tão brasileiro um lugar no panteão dos sabores nacionais. Se o poeta já disse que “Minha Pátria é a Língua Portuguesa”, arrisco dizer que é também a Tubaína, a terra vermelha e tudo que nos conecta àquilo que é mais nosso.
Vida longa à tubaína!!!!!!
Sobre o autor
Giuliano Savioli Deliberador – Muito além de um conhecedor profundo de tubaínas, é mestre em Ciências na área de Direito do Estado pela Universidade de São Paulo. Formou-se em Direito pela Puc-SP e em Relações Internacionais na USP.
A minha preferida é a Convenção. De Itu, claro, como a Itubaína, os refrigerantes Convenção fizeram parte da minha história porque a Luciana Guitti, filha do Sr. Geraldo Guitti, dono da marca e da fábrica, era e é minha amiga. Quantas tardes passamos na casa dela e outras tantas juntas (a Turma do Inho) na chácara da Teca, que ficava em frente à fábrica, onde a linha de produção do refrigerante foi algumas vezes visitada por nós. Saudades! Só lembrança boa!