Li no livro de Jorge Escosteguy, Cuba Hoje – 20 Anos de Revolução – que a revolução, em 1978, quando foi escrito, atraía turistas, os que queriam buscar informações sobre os sistemas de saúde e educação cubanos.
Na minha impressão, isso mudou bastante nesses últimos 27 anos. A ideia da revolução e do socialismo atrai, sim, mas é como se as pessoas quisessem ver um zoológico, no qual os animais nas jaulas são os cidadãos que nasceram ou vivem lá desde a revolução socialista – espécies raras, afinal.
Só que, como isso é bem claro para os cubanos que, de ingênuos não me parecem os primeiros da fila, eles usam isso a seu favor e tiram tudo o que podem de qualquer cidadão que lhes pareça com cara de otário, ou seja, um turista.
A sensação que eu tive foi a mesma que me ocorre quando estou na região do Pelourinho em Salvador, na Bahia, ou nalguma praia sem que tenha a companhia de amigos baianos ou que morem lá por perto. Todos são simpáticos, conversadores, sorridentes, solícitos, mas vão lhe arrancar dinheiro. Ah! Vão!
Hospitalidade cubana
Nem bem chegamos e isso ficou muito evidente. Na nossa primeira tarde em Havana, andando pelo Paseo de Martí, uma espécie de Las Ramblas, se estivéssemos em Barcelona, onde ficam expostos quadros e artesanatos locais, logo fomos abordados por um cidadão cubano. Ele perguntou se éramos franceses, dissemos que não, brasileiros. Foi o suficiente para que nos falasse das novelas tão excelentes do Brasil e estendesse a conversa. Até que com certa brevidade mencionou um outro brasileiro que havia estado lá na semana passada e fizera uma doação de lápis de cor para as crianças das escolas de Havana.
“Ah, como se quedaran contentos, los niños…” E em seguida, iniciou uma conversa sobre Cuba ser o país mais seguro do mundo, que eles não pedem dinheiro jamais, mas… caso quiséssemos pagar uma ração de leite para sua filhinha que muito “lo necesita”, poderíamos ajudar indo até o supermercado logo ali adiante. Eu fiquei perplexa, aborrecida logo de cara, mas o Silas resolveu ajudar porque estava gostando de ouvir a conversa do sujeito.
Parei na pracinha e disse que os esperaria ali, mas vendo que não voltavam logo fui atrás. Sobre o balcão, uma vendedora pusera uns 10 pacotes de leite em pó já dentro de um saco plástico e com uma calculadora nas mãos olhou para o Silas e mostrou uma conta em pesos cubanos, que, números convertidos, dariam muitos euros. Eu me pus ao lado e perguntei o que era aquilo, houve uma certa desarticulação da negociata com a minha chegada, embora o Silas não fosse dar tanto dinheiro para o rapaz assim tão facilmente. Resultado, depois de algum tempo, foram sendo tirados os pacotes e um único pago pelo Silas custou 6,60 CUCs. Mas a ideia do cubano era que nós, os otários, pagássemos um dinheirão para ele, logo em seguida, trocar o produto adquirido com seu comparsa da loja em que estávamos… Bem pensados o truque e a malandragem.
Assédio ao turista
Vivemos esse assédio inúmeras vezes. A ponto de eu sonhar com isso, acordar assustada e incomodada no meio da noite.
A abordagem ao turista fica muito manjada depois de um tempo. Eles se aproximam e para puxar conversa perguntam:
– Where are you from?
Ou dizem:
– Parece cubana!
– De França?
– És italiano?
E oferecem taxi:
– Taxi, lady?
– Taxi, man?
Eles também acenam pedindo para que você acenda o cigarro deles, como se não tivessem fogo.
Deu espaço, meu amigo, vai ser enrolado. Isso acontece o tempo todo assim que você põe a cara na rua. Sem exceção. O assédio é enorme, ininterrupto, incessante. Desagradável.
Para fazer justiça aos havaneiros, é claro que não são todos agindo assim. Só os oportunistas do turismo e, mesmo esses, depois que você já lhes deu dinheiro, o deixarão por uns instantes em paz. Até que o próximo se aproxime e tudo recomece.
Fora isso, houve um dia que saí sozinha, sem o Silas. Aí o assédio foi menor porque eu me fazia totalmente de surda e não os olhava de jeito nenhum. Há os que vêm pra cima e constrangem fortemente, com um jeito de chegar chegando quando você está só. Então, não dá para dar nenhuma sombra de confiança. Do contrário, sopa! Já seria uma boa presa.
Tive dias tensos em Cuba. Essa foi a parte tensa. O Silas estava mais seguro que eu. Andava com a máquina fotográfica à vista e disse que não sentia o que eu estava sentindo. Talvez isso se deva ao fato de que sou mais preconceituosa que ele, menos antropóloga e, claro, sou mulher (e brasileira).
Tratando as coisas assim parece que tudo em Cuba foi ruim, mas não foi. É que as agências de viagens e a divulgação do Governo de Cuba já se incumbem de mostrar as fotos das coisas bonitas: as fachadas dos hotéis, o Malacon (que é a avenida da praia em Havana), o Capitólio (que está em processo de restauro e não pudemos visitar), as tabacarias onde se vendem os melhores charutos do mundo, os carros dos anos 50, alguns preservados, outros consertados com arranjos inusitados que exigem criatividade total dos seus donos, os restaurantes para turistas, a música caribenha super bem representada pelo Buena Vista Social Clube, o sorvete da famosa sorveteria Copelia (que vale uma historinha exclusiva noutro post), os hoteis como o Nacional e o Habana Libre (históricos!), os drinks e o riso fácil das pessoas, com frequência eloquentes no trato social.
No entanto, não seria honesto dizer que tudo é lindo por lá. País pobre, que sofre embargo econômico até hoje de quase todo o mundo e, principalmente, a pressão dos Estados Unidos, tem que conseguir recursos de algum jeito. Como o turismo é uma fonte, há pessoas que vão por essa via constrangedora em cima do estrangeiro, talvez mais por sobrevivência do que por maldade.
Ainda vou falar da comida em Cuba, de seus restaurantes, da bebida e do charutos.
Até mais. Bom início de semana.
Em tempo: ontem, domingo (22/mar), fui ao show da Maria Betânia, aqui em São Paulo. Sensacional Ela é mesmo uma diva!