Revista Bem Mulher, edição número 5
Está nas bancas a quinta edição da revista Bem Mulher na qual escrevo a coluna Gastronomia e Hospitalidade. Nessa edição, conto um pouco sobre a capital de Cuba, seus restaurantes e seu jeito de receber as pessoas.
Recomendo comprar a revista na banca ou fazer uma assinatura pelo site. Para os leitores do blog, em primeira mão, reproduzo o texto sobre a terra dos irmãos Castro: Fidel e Raul.
Havana Hospitaleira
Em Cuba – Havana hospitaleira
No início de março, fui a Cuba acompanhando meu marido que é antropólogo e participaria de um Congresso em Havana.
Nem foi preciso insistir para que eu quisesse viajar com ele. Primeiro porque amo viajar e, neste caso, meu destino seria a “pérola do Caribe”, que há muito eu sonhava conhecer.
Havana é uma experiência e tanto em gastronomia e hospitalidade. Um prato cheio, que encanta, mas pode desagradar bastante em alguns momentos.
Que comem os cubanos?
Depois de ter ido a Cuba, poderia dizer que não sei muito mais do que aquilo que li na internet ou nos poucos livros que encontrei sobre culinária cubana, a de comida crioula.
Isso porque turistas com cara de alemães, franceses ou italianos, como meu marido e eu, comem comida de turista, que nem sempre é a mesma que se come em casa. Os cardápios dos restaurantes são voltados para esse fim.
Cuba, embora socialista, é um país pobre como os demais da América Central. É compreensível que o cidadão comum não tenha dinheiro sobrando para comer em restaurantes com frequência. Deste modo, o público alvo dos melhores restaurantes é o viajante, o turista. E, uma vez que nem todos os estabelecimentos teriam condições de obter produtos para um cardápio internacional, principalmente por causa do embargo dos países capitalistas contra Cuba, muitos oferecem pratos da culinária crioula.
Essa comida tem principalmente influência da culinária espanhola, que por sua vez tem forte característica moura, e da africana, por causa do tráfico negreiro e da escravidão. Quase não sobraram nativos indígenas depois da colonização nessa região da América Central, mas deles ainda restaram itens importantes para a culinária como as folhas de banana verde, inhame, abóbora e outros. Crioula é, portanto, a mistura e a incorporação desses vários jeitos de cozinhar.
Mesmo de um jeito bem turístico, é claro que tivemos uma boa pincelada de qual é o sabor característico dos pratos cubanos, especialmente, porque há os que se repetem em quase todos os restaurantes.
Há um muito famoso chamado de “ropa vieja” (roupa velha), um prato de carne (em geral de vitela) desfiada bem temperada feita na panela. Para acompanhar, arroz e feijão (mouros & cristãos) que podem ter sido cozidos juntos um com outro ou separados. Feijão preto, não mulatinho, nem carioquinha. Há, segundo pesquisei, em outras partes do país, um prato muito típico feito de feijão vermelho com arroz. Mas não é comum em Havana.
Todo paladar fica um pouco adocicado depois de um ou dos dias. Não há exagero no sal, mas os molhos são mais próximos do açúcar do que do sal, do amargo ou do apimentado. Notei que a salsa* de tomate é doce, lembra mais ketchup do que molho ao sugo, que é salgadinho.
Mas o que eu queria mesmo saber: o que será que eles comem no dia a dia?
Os ingredientes que usam são muito parecidos com os brasileiros: arroz, feijão, carne (a bovina menos que no Brasil) suína, de cordeiro e de frango, ovos, mandioca, milho, batata (inclusive batata doce), legumes e verduras como alface, tomate, cenoura, cebola, repolho, pepino, pimentão e rabanete e frutas. As mais comuns são: banana, goiaba, abacaxi, mamão e coco. Nos temperos, sal, pimenta, cebola, alho, azeite, vinagre, limão, açúcar, orégano, salsa e hortelã.
Tudo meio parecido com o que se come aqui, mas o gosto final é diferente. É porque depende do jeito de temperar e cozinhar.
Cuba é uma ilha com 1250 km de extensão de uma ponta à outra, portanto, como se pode prever, lá há peixes e frutos do mar. Os pescados estão muito presentes à mesa.
Receita de Ropa Vieja (versão brasileira)
(Carne de panela desfiada)
Ingredientes
3 cebolas grandes
½ cabeça de alho
Azeite suficiente para refogar
3 colheres de molho inglês
Sal e pimenta a gosto
2 ou 3 folhas de louro
1,3 kg de acém limpo e num só pedaço
200 ml de cerveja escura (de preferência que não seja doce)
2 tomates do tipo italiano batidos no liquidificador e peneirados
Água fervente o quanto necessário para cobrir a carne
Modo de fazer
Na panela de pressão aberta, refogue os temperos, a cebola e o alho. Quando estiverem exalando aquele odor delicioso junte a carne e refogue bem. Depois de bem refogada, as cebolas já bem tenras, junte a cerveja e deixe um tempo a panela aberta para evaporar o álcool. Depois inclua um pouco de água fervente suficiente para poder fechar a panela de pressão e pensar num cozimento de cerca de 40 minutos. Abra a panela, verifique se é necessário cozinha mais um pouco, corrija o sal se for preciso e deixe secar um pouco o molho com a panela semi-tampada.
Reserve de um dia para outro, desfie a carne com a ajuda de um garfo. Leve de novo ao fogo (não é mais necessário ser em panela de pressão), junte os tomates batidos e peneirados e cozinhe por cerca de 40 minutos.
Ropa Vieja do restaurante Doña Eutímia |
Para beber… e degustar
Em Cuba, como dizem os cubanos, é verão o ano todo, o que sugere tomar um drink, de preferência refrescante. Tão popular quanto a caipirinha no Brasil, é o mojito, que também é da família do daiquiri, da pinacolada, e da cuba libre, além de vários outros. Em comum têm a base que é o rum, a bebida produzida lá com toda excelência.
Outra coisa que produzem com excelência é o café. Para o meu paladar, bem mais agradável do que os que tomamos todos os dias aqui no Brasil.
Curioso é que eles também têm cerveja nacional e, de forma extremamente prática, os cubanos se dividem em dois grupos: para os que gostam da fraca, a cristal, e para os que preferem uma cerveja forte, a bucanero. Só! Basta. Ambas são gostosas.
O que não se discute é a qualidade dos charutos cubanos. Isso é institucional. Estivemos numa fábrica e vimos de perto a produção, mais uma atração turística de Havana. Todo gringo vai.
Para restaurar os viajantes
Selecionei quatro restaurantes que recomendaria por motivos distintos. Entre eles há diferenças quanto ao que pode ser dito sobre a comida, o atendimento, as instalações e os preços.
Café Lamparilla – tem no cardápio, menus específicos para os turistas que incluem entrada, prato principal e dois acompanhamentos, sobremesa e café. Escolhem-se uma entre duas entradas e o prato principal. A sobremesa é o que tem na casa, sem opção. O custo fica entre 9 e 16 pesos (CUC).
Comecei por esse restaurante para explicar duas coisas. A primeira é que menu é diferente de cardápio. Menu é a sequencia dos pratos (antepasto, entrada, salada, primeiro e segundo pratos, queijos, sobremesas e digestivos); já cardápio é a carta de opções com as quais se montam os menus individuais. O outro motivo é que as pessoas, muitas vezes, podem ter preconceito com o menu turístico, mas nem sempre ele é ruim.
No caso do Lamparilla, um dos pratos oferecidos era lagosta e estava perfeitamente preparada. Tenra, bem temperada, na temperatura correta e servida com acompanhamento.
No entanto, a sobremesa foi péssima e nem deveria ter sido servida. Já o café, como quase 100% dos que tomamos em Cuba, era delicioso.
Sobre o atendimento e as instalações: mesinhas cobertas com toalhas brancas numa ruazinha sem saída, iluminadas à noite com os pequenos lampiões urbanos dão um toque romântico ao restaurante. O serviço é feito com gentileza e respeito, apesar da descontração, mas os garçons pareciam já cansados do exaustivo dia de atendimento. Sem mais.
Doña Eutímia – ubicado** também numa rua sem saída muito simpática, próxima à
Catedral de Havana, esse restautrante preza pelo atendimento atencioso e uma comida muito bem feita. Foi lá que sentimos o quão hospitaleiros podem ser los habaneros***, com sua gentileza, educação e preparo para um bom atendimento.
Logo que chegamos soubemos que não havia pescados naquele dia, o que é comum ocorrer. Informar ao cliente logo que chega sobre a falta de um ingrediente é fundamental porque evita que ele crie expectativa sobre o que vai comer e perca tempo escolhendo um item que não poderá ser servido.
A comida do Doña Eutímia é servida no modo empratado, mas a escolha é a la carte. De entrada, provamos uma porção saborosa de ‘croquetas’ de pescado. Os pratos principais foram o tradicional “ropa vieja” e uma variação sobre o mesmo tema, só que feita com carne moída.
As sobremesas mais uma vez não agradaram. O pudim é um flan com gosto aguado e as rabanadas estavam muito encharcadas em óleo, ainda que isso tentasse ser disfarçado com um licor forte. Ambas ruins. E aqui vão novos elogios ao cafezinho.
Preço justíssimo. Barato pelo tipo de serviço, qualidade no atendimento e nas instalações super agradáveis, decoração criativa e delicada. Lugar aconchegante. Para voltar!
La Guarida – é o restaurante que ficou famoso com o filme Fresa y Chocolate. Não se deveria falar muito sobre ele para não estragar a surpresa de quem ainda nunca foi.
Muito mais do que pela comida sofisticada (comemos um inesquecível ceviche de lagosta com raspas de limão) pelo lugar em que está. A fachada está em ruínas, assim como o térreo e o primeiro andar do prédio antigo de pé direito alto e escadas triunfais, mas sem qualquer restauração. Ao conseguir chegar à porta do restaurante, tudo muda. É irreverente e muito arrojado. Mistura elementos antigos e novos, móveis de épocas distintas com quadros e instalações de arte moderna e cartazes de cinema desde os anos 50. É como se estivesse em Nova York ou em Berlim. Havana surpreende!
O atendimento é um pouco confuso porque todos os garçons e garçonetes são jovens demais, bonitos demais e, às vezes, meio arrogantes. O lugar é muito badalado. Talvez por isso, não haja no trato um cuidado muito grande com o bem estar dos clientes, o que independe da comida, é bom dizer, mas como um todo é uma experiência imperdível em Havana.
Vá e não deixe de visitar o banheiro nesse restaurante. O caminho traz surpresas incríveis, inclusive é possível ver a correria da cozinha e dos chefs preparando os pratos do corredor.
O preço é mais salgado, mas em nada desonesto. Se fosse comer lagosta em São Paulo pagaria o triplo.
Los Nardos – em frente ao Capitólio, logo após subir o primeiro lance de escada, à esquerda, eis que ali está o ambiente escuro e frio, graças ao ar condicionado que exige casaco. Mobiliário de madeira rústica envernizada, decoração portentosa e um salão enorme.
Nesse ambiente, pretensamente sofisticado, encontramos cidadãos cubanos almoçando em meio aos turistas. Só por isso, valeria a visita, que também se recomenda pela comida farta. Pecam o atendimento formal demais e os toilletes que são lamentáveis.
Nem tão hospitaleira
Em Havana, se quiser ir aonde todo turista vai, siga até La Bodeguita del Médio e não deixe de estar em La Floridita. Eu não voltaria em nenhum dos dois. Os motivos? Mais fama que proveito, atendimento ruim, preços altos, fumaça. São os templos eleitos para aquele assédio desconfortável dos “caça-turistas” que ficam à porta tentando extorquir, na malandragem, os dólares e euros dos viajantes. Isso é o que faz de Havana uma cidade nem sempre muito hospitaleira.
Prepare-se para viajar
Antes de ir, tratei de me preparar lendo tudo o que pude sobre a ilha de Fidel Castro. Meu entusiasmo era tanto que, na semana anterior a minha viagem, pesquisei a história da revolução socialista, quis ler A Ilha, de Fernando Morais (uma das grandes referências bibliográficas sobre Cuba para o Brasil), busquei informações sobre o regime social, as relações de trabalho e, claro, a comida, a bebida e como desfrutá-las.
Eu ficaria em Havana pelo menos cinco dias, então, fiz reservas nos restaurantes mais recomendados por quem já esteve na cidade.
Uma das minhas leituras, o livro de Jorge Escosteguy, Cuba Hoje, 20 Anos de Revolução, me levou ao país de 1978, ou seja, quase 20 anos depois da tomada do poder pelos revolucionários, que ocorreu em 1959. Isso foi muito importante para que, a partir de uma visão quase jornalística do autor, eu pudesse contextualizar o caminho percorrido por Cuba, nesses agora 56 anos de regime socialista, embargos econômicos e com o mundo de costas para si. De modo que, mais ou menos, eu sabia o que encontraria quando chegasse.
Viajar é sempre uma oportunidade de mudar conceitos, para isso é preciso ter informação. Fica a dica!
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Neste blog, outros posts sobre Cuba:
Os meios de transporte
Hospitalidade de país pobre
Adoce seu paladar em Havana
A Plaza Vieja e os pontos obrigatórios
Excelente texto, dicas importantíssimas para todo e qualquer viajante, seja de primeiras mochilas, seja experiente. Quanto a culinária real cubana, essa fica por conta de descobrir indo como um "detetive", buscando lugares não frequentados por turistas e que em algum momento passam para o underground e podem causar certo espanto, surpresa e medo, mas que em sua grande maioria, serão gratas visitas porque nesses lugares, o povo se bem tratado, abre as portas da casa e do coração e acolhe quem estiver em busca de boa informação e um pouco da cultura diária dos habaneros. Já fiz esse roteiro uma vez e por isso posso dizer que me surpreendi, com diversas coisas, principalmente com a falta de insumos que sofre a população comum, que se obriga a comprar certos alimentos através de um sistema de caderneta com cotas certas para cada pessoa. Quer mais do que pode comprar oficialmente? Então vai cair no mercado negro e pagar preços absurdos para a economia cubana ruim, o que não é lá nenhuma surpresa para países da América Central. A vida comum em Cuba como um todo é assim, uma dia de cada vez, sua população precisa de uma série de evoluções que talvez aconteçam agora após a intervenção Papal que propôs um acordo de retirada dos embargos americanos. Uma dica para os que querem se aventurar de verdade na culinária é comer a beira da praia nos escondidos "portos" dos pescadores, uma iguaria feita com a cabeça da lagosta e bananas da terra assadas em folha de bananeira com leite de coco e que é enterrada na areia para cozer por duas horas, muito parecido com a nossa moqueca mas, com sabores surpreendentes e para que aprecia uma pimentinha recomendo uma poção que os pescadores fazem com a explosiva Scoth Bonnet que com apenas um pingo, é capaz de deixar seu paladar bem alegre.
Chef Marcelo, me deu uma vontade de provar essa pimenta! hummm!