Revista Bem Mulher, edição número 9
A nova edição da revista Bem Mulher traz na coluna de Gastronomia & Hospitalidade a encantadora região de Mendoza na Argentina. Essa foi uma viagem muito regada a bons vinhos, restaurantes e, mais que tudo, o perfeito espetáculo da natureza da Cordilheira dos Andes com o memorável Pico do Aconcágua.
(Se preferir, leia aqui matéria na íntegra)
Na Argentina, vá a Mendoza: uma cidade de braços abertos
Se você pretende ir para a Argentina e não quer se restringir à capital Buenos Aires, vá a Mendoza! Mas, vá preparado porque são muitas as opções, os preços não são os mais convidativos e se refletir e planejar não vai assustar com nada e poderá escolher o que quer fazer. Será maravilhoso!
Vou contar um pouco das minhas impressões sendo que fiquei lá somente uma semana. Só não voltaria amanhã porque já tenho outro destino programado para breve, mas voltarei um dia porque há muito para desfrutar naquele lugar.
Espaço público hospitaleiro
A cidade é bonita, fica aos pés do que eles, lá, chamam de Pré-Cordilheira (dos Andes). O clima é bom, apesar de seco. Faz frio no inverno (e nas Altas Montanhas, mesmo que seja primavera) e calor no verão. Há uma boa infraestrutura para o turista, o atendimento é caloroso e quase sempre bastante solícito. Além disso, em nada aparenta ser um lugar inseguro. Ao contrário, apesar do agito dos bares, restaurantes e lojas, parece um lugar de tranquilidade, com muitas pessoas nas ruas, incluindo muitas crianças, tanto em carrinhos de bebês como correndo pelas praças e andando nos ônibus ao saírem das escolas e nem sempre acompanhadas de adultos.
A infraestrutura a que me referi para o turismo diz respeito a itens como aeroporto, rede hoteleira para todo tipo de poder aquisitivo, agências de viagem que oferecem passeios padrão e também personalizados para conhecer os principais atrativos da região (tanto as vinícolas quanto as montanhas), locadoras de veículos, bus tour que passa pelos principais pontos turísticos da cidade no sistema hop on hop off, rua de comércio de suvenires e outros, como casas de câmbio e caixas eletrônicos.
Tudo começa com grana
Como disse, vá preparado. A questão do valor do dinheiro pode assustar, especialmente se você viajar para Argentina, achando que lá não teve inflação nos últimos anos e, mais ainda, se não estiver atento ao que ocorreu com o câmbio brasileiro em 2015 e ainda repercute em 2016. A crise por aqui tem feito nosso dinheiro valer menos. Logo, a dica é: vá preparado para não se chocar com os preços.
No momento, a nossa moeda está muito desvalorizada e, sendo bem consciente, acabou a farra do consumo exagerado da classe média brasileira que aprendeu nos últimos anos a viajar para o exterior com moeda super valorizada, ou seja, valendo quase o mesmo que o dólar que é moeda de país forte economicamente.
Quem converte não se diverte – Esse é um ditado recorrente, mas é só um dito popular que pode levar muita gente a se endividar à toa. Dá, sim, pra se divertir e será ainda melhor se você for prático e rápido o bastante para calcular o quanto vale cada coisa que vai fazer ou comprar. Claro que ninguém viaja para ficar olhando o frango girando na televisão de cachorro em frente à padaria. O que não significa que tudo o que vir pela frente deve ser comprado.
Na Argentina, ainda funciona a pleno vapor o câmbio negro de moeda estrangeira, em especial, dólares, euros e também reais, devido à proximidade do Brasil e a quantidade de turistas brasileiros por lá. Cambiar moeda no paralelo, ou seja, no câmbio não oficial tem riscos, mas é uma prática comum nas regiões turísticas argentinas.
Quando estive em Mendoza, a cotação oficial para câmbio era de $ 9,53 (pesos argentinos) para cada US$ 1 (dólar) e $ 2,50 para cada real. Assim, quando cobravam por uma coca light no restaurante o valor de 37 pesos, estava pagando oficialmente R$ 14,80 por uma garrafinha de refrigerante de 290 ml.
Deu pra entender que é preciso escolher o que se quer consumir, certo? Há mil formas de lidar com isso. Eu, pessoalmente, não me endividaria bebendo refrigerante, até porque, os vinhos em Mendoza são bem mais convidativos. Lá é a terra do Malbec, vinho feito de uma uva que veio da França e cuja adaptação foi perfeita nessa região.
Vinícolas
Há três regiões vitivinicultoras definidas em Mendoza que são: Maipu, Valle del Uco e Luján del Cuyo. Em todas elas há vinícolas de vários portes, oferecendo um visual memorável dos parreirais e dos vinhedos, do sopé da montanha ao céu azul limpo sem uma só nuvem porque o clima é seco, com bodegas, visitas e degustações, guias super preparados para explicar como e quanto se produz, além de restaurantes, passeios de bicicleta, chás da tarde etc.
Chama mesmo a atenção a quantidade de vinícolas da região. São 1200, segundo o motorista do sistema remis que usamos assim que chegamos para ir do aeroporto até o hostel onde nos hospedamos, meu marido e eu, no centro da cidade, bem ao lado da avenida Las Heras (a principal do comércio das lembrancinhas).
Nós, junto com outros amigos, alugamos bicicletas e rodamos por algumas vinícolas. No entanto, embora a região seja plana e fácil para pedalar e o visual estonteantemente lindo, o sol castiga muito e depois da segunda degustação de vários vinhos, a gente já está um pouco “borracho” para dirigir qualquer veículo. Mas é só alegria, só risada e descontração.
Noutro dia, fomos de ônibus e depois caminhando até o Museu do Vinho, que é um lugar que nos puxa pela memória. Eu me lembrei muito do meu avô que produzia vinho em casa, especialmente, devido ao mobiliário, às fotos, os cestos e o cheiro delicioso das uvas fermentando. Cheiro de infância pra mim.
Altas Montanhas
Fizemos um passeio inesquecível à Cordilheira dos Andes. Partindo de Mendoza, fomos primeiro a Potrerillos, em seguida a Uspallata, depois visitamos a Torre del Incas e subimos, subimos e subimos, até ficarmos cara a cara com o maior pico da América Latina: o Monte Aconcágua. Novamente uma boa memória se fez, lembrei-me da dona Sandra, minha primeira professora de Geografia. Foi com ela que aprendi que o ponto mais alto do Brasil é o Pico da Bandeira e o maior da América do Sul é o Aconcágua: simplesmente magnífico. São 6.962 metros de altura acima do nível do mar.
De todas as viagens que faço tenho memórias de lugares esplêndidos. Só por brincadeira comigo mesma, costumo ter um ranking das primeiras colocações, dando ordem do quanto fiquei impressionada com um determinado visual, lugar ou mesmo um prédio, uma obra de arte, enfim, algo que dê conta da minha emoção.
Quando vou a uma nova localidade, nem sempre penso em mudar meu ranqueamento. Os Top Five são sempre os mesmos, eu diria. Agora foi diferente. Diante do Serro Santa Helena, no meio da Cordilheira dos Andes, que antes eu só tinha visto do avião e em fotos, eu pensei em desbancar as Cataratas de Foz do Iguaçu – que, sem dúvida, até então, era o lugar mais lindo que eu já tinha visto.
Mas para mudar o ranking preciso analisar se essa imagem permanecerá em mim. Aí, quem sabe, mudo a ordem dos primeiros lugares. Ainda é cedo pra dizer.
Quem puder ir um dia, vá! Vá preparado porque a emoção é enorme.
Como se fosse pouco, a descida das Altas Montanhas foi pelos “carocoles”, a estrada antiga que levava os mendocinos ao Chile. São 365 curvas do tipo cotovelo com uma vista espetacular. É tão lindo que a gente ri à toa.
Restaurantes
Mendoza tem muitos restaurantes. Para diversos gostos e todos os bolsos. No primeiro dia da viagem fomos ao 1884, o restaurante do chef Francis Malmann, e no último, almoçamos no recomendado e surpreendentemente bom La Melesca, em Maipu. Em ambos, tenho observações a fazer sobre a hospitalidade: desde a recepção, a comida e a bebida e as impressões na despedida. Para resumir, nem sempre o mais caro e mais famoso é o que agrada mais. No restaurante de Malmann, valeu a experiência, mas sai mais feliz do La Melesca, onde, além do aconchego, provei um dos melhores filés ao vinho Malbec do mundo!
Uma cidade com praças – O uso do espaço urbano pelos cidadãos argentinos é reconhecido internacionalmente. Buenos Aires é uma cidade linda, com parques onde as pessoas vão para passar o dia inteiro. Lá se divertem com amigos, comem, descansam, leem, jogam bola, cantam, dançam… Embora tenhamos um pouco disso no Brasil, nem de longe usamos o espaço como nossos hermanos portenhos.
Mendoza funciona igual a Buenos Aires. Tanto que a cidade nova é recheada de praças. Aqui é preciso um parêntese para explicar a cidade nova. Em 1861, Mendoza foi totalmente destruída por um terremoto. Sobraram ruínas. A reconstrução da cidade após esse abalo sísmico resultou na chamada cidade nova.
A Plaza Independência fica no centro da cidade e em cada uma de suas quatro extremidades há outras praças que são: San Martin, España, Chile e Itália. Isso é muito marcante na cidade. Todas as praças são lindas, muito arborizadas, com decoração e paisagismo próprios. Sempre muito bem ocupadas por pessoas de idades e interesses diferentes: bebês com mamães, homens conversando, namorados se encontrando, skatistas, pintores, artistas, artesãos, expositores de artesanias, turistas… de tudo.
Ah! Diferente, no entanto, de Buenos Aires é que em Mendoza é clara a miscigenação da Argentina, principalmente indígenas e europeus. Mas há também negros, que são mais raros na capital.
Há muito mais para contar, mas por hora, chega. A receita de um dos melhores pratos que já comi fecha essa nossa viagem tão hospitaleira. Espero que desfrutem.
Filé mignon ao molho de vinho tinto (Malbec)
(serve duas pessoas)
Guarnição: gomos de batatas com pimenta rosa
Eu comi essa maravilha durante a viagem que fiz para Mendoza, na Argentina. Quando gosto muito de uma comida, tento reproduzir em casa. Essa receita é fruto de uma pesquisa que fiz sobre a técnica empregada no preparo. Para facilitar, a receita está dividida em três fases:
Molho base
Ingredientes
- 500 gramas de músculo picado em cubos médios
- 1 cenoura picada em cubos
- 1 cebola
- 1 talo de salsão
- ½ alho poró
- 2 dentes de alho
- 2 colheres (sopa) de extrato de tomate
- 2 folhas de louro
- Pimenta do reino em grão
- 2 colheres (sopa) de farinha de trigo
- Temperos: tomilho, salsa e cebolinha frescos e picados
- 2 ½ litros de água
- ½ garrafa de vinho tinto
- Sal a gosto
Modo de fazer
Leve ao fogo uma panela alta. Assim que estiver aquecida, sele a carne até ficar bem douradinha. Retire da panela e reserve.
Pique a cenoura, a cebola, o alho poró, o salsão em cubos pequenos com cerca de 2 cm de lado. Na mesma panela da carne, coloque todos os itens picados mais o alho amassado. Deixe-os refogar por cerca de 5 minutos. Volte a carne à panela, juntando-a aos demais ingredientes. Mexa por 3 minutos e então acrescente o molho de tomate e a farinha de trigo. Sem parar de mexer, acrescente o vinho tinto e espere reduzir um pouco e evaporar o álcool. Acrescente então os temperos: salsa, cebolinha, tomilho, sal e pimenta. Em seguida, coloque a água fria. Deixe cozinhar por mais ou menos 3 horas com a panela semi-tampada. O molho vai ficar bem denso. Coe-o numa peneira e reserve.
Molho Malbec
Ingredientes
- 1 cebola
- 1 cenoura
- 1 tomate maduro sem pele e sem semente picado
- 1 colher de açúcar
- 1 litro de molho base
- 300 ml de vinho tinto Malbec
- Sal, pimenta do reino e tomilho fresco
Modo de fazer
Numa panela leve a cebola, a cenoura e o tomate todos picados para suar. Em seguida acrescente o açúcar. Adicione o vinho tinto e deixe reduzir. A seguir, ponha o molho base e os temperos e deixe reduzir até que fique em ponto napê*. Será rápido, cerca de 5 minutos depois de ferver. Coe para servir sobre a carne.
Carne
Ingredientes
- 2 medalhões de filé mignon de cerca de 250 gramas cada
- 1 fio de azeite de oliva
- Tempero: sal e pimenta do reino
Modo de fazer
Tempere a carne com sal e pimenta, se preferir use sal grosso. Leve ao fogo uma frigideira até que fique bem quente. Derrame um fio de azeite para untar e coloque os medalhões. Deixe-os selar por 5 minutos de cada lado.
Para o acompanhamento, batatas em gomos fritas em imersão de azeite temperado com pimenta rosa.
Montagem do Prato
Aqueça o prato no forno. Ponha o medalhão de um lado e regue como o molho. Ao lado, disponha as batatas e sobre elas esfarele um pouco de pimenta rosa seca. Decore com uma folhinha de tomilho fresco.
*napê – correta cocção de um molho ou creme.