Uma questão de hospitalidade – 2
Santarém e a primeira lei da hospitalidade
Fiquei em dúvida sobre o título desta publicação. Uma vez que em 3 de setembro dei o título Uma questão de Hospitalidade ao texto que se referia ao que considero o “bem receber em casa”, ou seja, a hospitalidade no espaço doméstico, hoje, eu bem que poderia entitular esse post como Uma questão de hospitalidade 2. Assunto que rende ainda muitos capitulos.
Preferi dar título à situação que me levou a querer refletir sobre o que é hospitalidade. Por isso, o encontro dos rios Tapajós e Amazonas foi escolhido.
O encontro das águas |
Na segunda-feira da semana passada (29/09), estávamos em Santarém, no Pará, por ocasião de um trabalho que o Silas foi chamado para fazer na Ufopa – Universidade Federal do Oeste do Pará.
Imbuído da mais genuína generosidade, Anselmo, o vice-reitor, nos proporcionou um dos fins de tarde mais sensíveis que um anfitrião poderia promover diante de seus recursos disponíveis – que não eram poucos, mas, como verão, não tem muito a ver somente com questões econômicas e financeiras. Outrossim, a experiência que tivemos, tem a ver com dádiva. Por defínição do dicionário, dádiva é um substantivo feminimo para o ato ao ação de oferecer, voluntariamente, alguma coisa valiosa a alguém. Na literatura da hospitalidade, a dádiva desencadeia o ciclo de dar-receber-retribuir, e é, portanto, a primeira das seis leis da hospitalidade.
Quando me referi aos recursos disponíveis, Anselmo é dono de um catamarã – uma embarcação com dois cascos, no caso dele, com propulsão a motor, que tem considerável estabilidade e pode atingir uma velocidade razoável durante a navegação.
Além disso, Santarém é banhada pelo rio Tapajós, de águas cristalinas e areia branca e é ainda na faixa costeira dessa cidade que esse rio se encontra com o Amazonas, de águas barrentas.
No período de estiagem nessa região, a natureza promove entardecederes cheios de luz que refletidas nas águas oferecem um lindo espetáculo ao por do sol.
Pois bem, os recursos não eram poucos: uma embarcação, os rios, o sol, o entardecer… Porém, sem a dádiva do Anselmo, não haveria passeio. Foi ele quem nos concedeu a oportunidade de navegar no fim da tarde para vermos de perto o encontro das águas. Isso é hospitalidade. Olhar para o visitante, perceber que há algo de si que pode ser ofertado, organizar seu tempo e seus recursos e oferecer de coração uma grande e memorável experiência.
Certamente, o Anselmo, que nem me conhecia, não tinha a mais vaga ideia do quanto eu sonhava ver o encontro das águas. Desde que ouvi pela primeira vez numa aula de geografia a descrição da professora sobre como as águas dos dois rios se encontram e não se misturam por muitos quilômetros, percorrendo lado a lado sem que haja a fusão de suas cores, devido a suas densidades diferentes, eu sempre tive a maior curiosidade de ver isso de perto. Além do que, pra mim, o rio Amazonas é mitico. Quase uma entidade e como tal deve ser respeitado. Chegar perto, ver, por os pés em sua água, foi para mim com um ato religioso, uma benção.
Nas águas do rio Amazonas |
Em resumo, foi um sonho realizado que promoveu em mim uma profunda sensação de gratidão. Fiquei muito emocionada. Pode parecer exagero, especialmente para os que consideram isso pouco. É certo que para muitas pessoas, é só mais um rio, são águas que estão ali disponíveis como tantas outras. Não pra mim. É difícil por em palavras sentimentos tão profundos que têm significação histórica ou ideológica. No meu caso, estou certa de que o símbolo foi tão bem construído que permaneceu e não foi desfeito mesmo diante da realidade, ao contrário, teve amplo significado, gerou emoções e um forte sentimento de pertencimento a essa “Pátria, mãe gentil”.
Como diria minha amiga Fabíola: “foi incrível, incrível!” Tudo graças ao sentido inato de hospitalidade do homem santareno, indivíduo que pertence ao povo paraense.
Já que o assunto é a hospitalidade, cabe dizer que o estado do Pará, no que se refere à dimensão pública, preenche com louvor o quesito RECEBER, uma vez que é cheio de praias de rios de livre acesso aos visitantes e moradores. Quanto a HOSPEDAR, Santarém tem uma rede hoteleira que precisa ser melhorada, receber um banho de profissionalismo, o que atrairia muitos mais visitantes de segunda viagem. A gastronomia local é farta de peixes e opções regionais, o que garante o bem ALIMENTAR mesmo sem renomados chefs de cozinha e amplas estruturas em restaurantes sofisticados. E entretenimento não parece faltar em Santarém, já que o espírito hospitaleiro vem do berço de sua população.
Se tiver oportunidade, vá ver o encontro das águas do Tapajós com o Amazonas, espero que você receba a mesma dádiva que nós, Silas e eu, recebemos. Estamos desta forma prontos para retribuir o presente recebido e assim reinstaurar a dávida da hospitalidade, perpetuando o ciclo dar-receber-retribuir, que ora estudamos.
Em tempo: estiveram conosco nesse passeio de catamarã alguns professores da Ufopa, que, como eu, não são paraenses e, tiveram nessa ocasião a oportunidade de ver também de perto todo esse esplendor. Um grande e afetuoso abraço a esses novos amigos!
Companheiros de viagem pelo Tapajós/Amazonas |