Sou uma pessoa que gosta de andar na rua. Gosto de ver as lojas, as fachadas das casas e dos prédios. Ver pessoas caminhando, bicicletas, motos, carros, caminhões e ônibus circulando, em São Paulo, que pena!, muitas vezes quase não conseguindo sair do lugar. Mas eu gosto de observar tudo isso. Eu gosto também das placas, da sinalização do trânsito, da precisão de alguns semáforos.
Nunca tinha parado pra pensar, mas talvez pelo fato de ser eu uma amante do espaço público, tenha sido vítima dele. Graças a um enorme escorregão que sofri num dia de calçada molhada, bem sobre uma dessas tampas retangulares de ferro que dão acesso às empresas de telecomunicações, seja TV a cabo ou telefonia, eu tenho uma hérnia de disco na coluna. Cheguei a conclusão que, como num amor bandido, a dor que essa lesão me causa é fruto da minha insistente relação com as ruas dessa cidade. Eu sempre acho que vai melhorar…
Como eu, outros tantos cidadãos devem gostar de sair de casa, andar, deixar o carro na garagem e viver a cidade. Não por força da obrigação, mas pelo deleite de se sentir parte do espaço urbano.
Moro em São Paulo desde 1993, por opção, o que me faz me sentir basicamente como uma paulistana, só que de coração. E é porque aqui eu escolhi viver é que trato essa cidade com tanto carinho, embora nem se sempre ela merecesse esse meu apreço tão sincero.
Esta manhã, no caminho para o Sesc Consolação, me vi triste com essa cidade. Que sujeira, que descuido, que falta de cidadania vivemos nessa terra de todos e de ninguém.
Primeiro, logo que saí no portão, vi do outro lado da calçada escorrendo abaixo do meio-fio uma quantidade de água limpa como que jorrando em corredeira. Perplexa, logo perguntei a dois rapazes que estavam próximos de onde vinha aquela água sendo disperdiçada a céu aberto em pleno bairro de Higienópolis, se sabiam o motivo, a origem. É uma obra da esquina que desde às seis da manhã está soltando essa água aí de um poço que eles precisam esvaziar para dar continuidade à construção de mais um prédio de muitos andares, ou seja, novo polo de geração de trânsito no centro da cidade. Será que ninguém planejou chamar um carro pipa e usar aquela água para regar jardins ou limpar fachadas ou calçadas? Eu não sei que qualidade tinha a água, mas se estivesse contaminada não poderia estar sendo dispensada na rua. Isso só me faz pensar no descaso e na falta de consciência de quem constroi nessa cidade visando ainda exclusivamente lucro financeiro.
Depois fui andando muito indignada e vi, como todas as manhãs, várias pessoas dormindo na rua. Pelos menos três, num caminho de 4 quarteirões. Eu já conheço de vista mais de 10 que moram no meu entorno. Os motivos que levam as pessoas a viver pelas ruas são diversos. Nem sempre é só falta de moradia, família e emprego. Nem sempre é devido ao uso de drogas ou por alcoolismo. Às vezes, é uma decisão de largar tudo e se deixar a esmo. Depressão, solidão, falta de perspectiva, de acolhimento social, de pertencimento a uma comunidade ou grupo. Não importa a razão. É fato que se trata de uma questão de saúde pública. A quem cabe fazer alguma coisa a respeito? Essas pessoas fazem uso do espaço urbano, que é de todos, mas deveria ser mais preservado.
Foto: blogdoaitalo |
Aqui perto de casa, tem uma praça chamada Rotary, é bem onde fica a biblioteca infantil Monteiro Lobato. A praça é um espaço de convivência interessante. Nela tem alguns dias por semana, aulas de tai-chi-chuan logo de manhã, jogos de futebol society às tardes e noites, pessoas que levam crianças para brincar, cachorros para correr e outros tantos usos que já vi por ali devido à disponibilidade pública para o uso. No lado da praça em que a rua é Dr. Vila Nova, a rua do Sesc Consolação, do Senac, há sempre ambulâncias e vans estacionadas aguardando pessoas de todo o estado que vieram para se tratar na Santa Casa de São Paulo. Nesse mesmo lugar, há alguns meses moram quatro ou cinco pessoas. Só uma mulher jovem e negra. Os homens parecem mais velhos, talvez pelo tempo em que estejam nas ruas. Esses cidadãos vivem ali, cozinham ali, têm colchões, cobertores. De tempos em tempos, fazem a barba, cortam os cabelos como se estivessem num salão. Uns fazem pelos outros. Arrisco dizer que, na vizinhança, há quem se utilize dessas competências que essas pessoas “à margem” têm, porque o preço deve ser bem baixinho.
Nesse lugar, tem dia que a sujeira transborda a rua. É um cheiro fétido, mistura de roupas sujas, ingredientes crus e cozidos que os alimentam jogados no chão, papeis, garrafas plásticas e de vidro, folhas das árvores, urina, falta de banho… A cena varia. Tem dia que é interessante observar o mecanismo que adotam para conviverem. Outros, eles brigam, discutem, disputam o colchão, a comida ou o último gole de cachaça. Todos passam e ninguém os vê.
Outro item que é de dar vergonha é a situação das calçadas na cidade. Que coisa nojenta! No sábado à noite, andando pela rua Augusta, eu comentava sobre como é vergonhoso saber que num dos locais mais pisados desta cidade temos aquela condição de calçadas. Estão quebradas, sujas, desniveladas, ocupadas por postes, ambulantes e todos tipo de resto do uso humano do espaço. Não há lixeiras, nem espaço decente para caminhar. As pessoas se atropelam, trombam umas nas outras, num balé esquisitíssimo que desenvolvemos para subsistir diante de uma condição tão precária.
A calçada é por lei uma responsabilidade do dono do imóvel em frente ao qual ela está. Mas como podem os donos dos imóveis restaurarem com tanta frequência as desmandadas intervenções das empresas de gás, saneamento, eletricidade e telefonia nas calçadas. Eu diria o seguinte, você conserta hoje, amanhã vem uma empresa e precisa fazer um buraco. Ok, faz. Mas conserta depois? Sim. Faz um remendo de qualquer sujeito. Sem padrão, sem cuidado, sem responsabilidade com quem é dono daquele lugar e principalmente sem cuidado com quem transita por ali.
Mas não basta consertar as calçadas. As pessoas precisam ser mais educadas quanto ao uso do espaço. Não só carregando seu próprio lixo, como respeitando os demais usuários do espaço público.
Você já parou para observar como se comporta ao caminhar pela rua? Não há retrovisor no olhar humano, mas por respeito ao outro cidadão, as pessoas poderiam usar suas visões laterais para não atrapalharem umas às outras. E a fumaça dos cigarros que são baforadas sem que se perceba que há outras pessoas respirando logo atrás de você, fumante! E as paradas repentinas? E quando você sai de uma loja, de um restaurante e entra na frente de alguém que já estava caminhando em determinado ritmo e interrompe o trajeto do seu concidadão? O seu comportamento na rua demonstra que nível de educação você tem. Se não dá espaço para um carrinho de bebê, um ancião ou alguém que pode ser atropelado passar, você é um mau cidadão.
Será que precisaremos falar dos postes da cidade? Não é possível que nenhuma subprefeitura possa intervir na questão dos cabos de TV que acabam com o visual da cidade, tornam a vida das pessoas mais pobre, suja e feia.
Não deve ser nada fácil manter em ordem as placas de sinalização de São Paulo. Mas nós pagamos impostos e precisamos que eles se revertam em indicações precisas quanto aos nomes e números nas ruas, bem com as direções do trânsito. E por falar nele, o seu carro respeita a faixa de pedestres? E ao abrir o semáforo, você espera que as pessoas terminem de atravessar ou em caso de virar a esquina que o pedestre tenha prioridade em relação ao seu veículo?
Outra coisa, o seu carro tem um som bem bacana? E você que anda de ônibus, trem e a pé, tem um super som no seu celular? Eu não gosto do que vocês ouvem. Poderiam diminuir o volume respeitando as demais pessoas?
Quando você anda na rua, fala muito alto com seus colegas ou no celular? Não é nada agradável para quem passa do seu lado. Pode acreditar!
O uso do espaço público é um direito de cada cidadão desde o momento em que nasce. Como usamos é que faz toda a coisa ficar tão triste, suja, desagradável.
Eu não mencionei os guardadores de carros. Tenho medo deles. Odeio quando se aproximam. Pago para olharem meu carro por medo e prudência, porque me sinto coagida, violentada. Tudo isso me causa imenso constrangimento.
E você que é ativista do uso das bicicletas, tem feito sua parte? Na semana passada, eu vinha de carro pela avenida Sumaré e bem próxima, a menos de 3 metros de um ciclista, eu o vi. Ele estava à noite de tênis, calça e blusa pretos. Sua bike não tinha nenhum refletor, nem luzinha. Ele andava por uma área bem escura, sendo que a Sumaré tem ciclovia. Por que ele estava ali? Roleta russa? Ah! Ele estava sem capacete!
Apesar dessa postura, graças a Deus, parece que a guerra entre motoristas e ciclistas teve uma trégua. Espero que seja por ter melhorado a consciência de cada parte envolvida.
A prefeitura deveria cuidar disso? Sim, deveria fiscalizar porque leis existem. Mas o comportamento individual independe da prefeitura.
Para um dia, acho que as reflexões são suficientes. Há muito mais por falar ainda!