Parceria Viva o Vinho
Esse é o quinto e último post da nossa série sobre Bordeaux. Já contamos a história da região, falamos sobre a difícil classificação de seus vinhos, as uvas permitidas na sua composição e as regiões da margem esquerda. Hoje, para finalizar, vamos falar sobre a margem direita e a região Entre-Deux-Mers (entre dois mares), além de dar algumas dicas sobre como comprar um vinho de Bordeaux.
“Cruzar a margem do Gironde é como viajar para outra região”
Cruzar a margem do Gironde é como viajar para outra região. As comunas à direita em nada lembram as da margem esquerda, com luxuosos châteaux e vinhedos enormes. São mais modestas, menos conhecidas e, além disso, quem domina a região é a Merlot, e não a Cabernet. Na margem direita, o solo é diferente. Além do cascalho, que ali já é menor, há também argila e calcário em diferentes trechos. O clima é mais ameno.
Na região está Libourne, considerado o centro comercial da margem direita, tanto que os vinhos de Saint-Émilion, Pomerol e Fronsac, por vezes, são chamados de Libournais. Embora englobe várias sub-regiões, os holofotes voltam-se para Saint-Émilion e Pomerol.
Saint-Émilion
Saint-Émilion, Bordeaux, França |
Saint-Émilion é a denominação da margem direita que mais produz vinhos, alguns deles feitos em pequenos châteaux e que atingem altíssimos preços. Quanto menor o vinhedo, menos mão de obra necessária, certo? É o que acontece em Saint-Émilion, e por essa razão os vinhos são, em sua maioria, feitos pela própria família dona da propriedade. Um dado curioso sobre a região confirma o fato: para cada três habitantes existe um château.
Diferente das outras, Saint-Émilion é distribuída em colinas de calcário, as chamadas côtes. Além disso, é a comuna mais medieval de Bordeaux, chegando a lembrar uma fortaleza.
Os vinhedos são dominados por Merlot e Cabernet Franc. O solo é calcário argiloso, determinando a longevidade dos seus tintos. Uma das características marcantes da região é a variabilidade das safras.
Os melhores vinhos da denominação saem do Château Cheval Blanc, Château Magdelaine ou Château Ausone.
Pomerol
Petrus, Pomerol |
A menor das sub-regiões de Bordeaux é também uma das que mais atraem olhares de seus apreciadores. Mas até o início do século XX, ela passava despercebida. O motivo da reviravolta? Simplesmente por ser a casa de um dos mais prestigiados châteaux do mundo, o Petrus.
É lá, portanto, que estão os vinhos mais caros de toda Bordeaux e talvez do mundo.
Mais de 70% da região é coberta por Merlot e o restante é praticamente exclusivo de Cabernet Franc. Isso porque seu solo resulta da mistura entre argila e calcáreo, perfeito para ambas.
Nas melhores regiões de Pomerol nascem vinhos aveludados e ricos em notas de ameixa, cacau e violetas. Vinhos que combinam intensidade e elegância. É por essas características que é mais fácil encontrar Bordeaux de Pomerol num restaurante a um vinho de outras sub-regiões. Eles são fáceis de beber e não precisam de tantos anos de guarda para chegarem ao auge.
Além do Château Petrus, o Pomerol também produz o Le Pin, um “ vin de garage” de produção minúscula e alto preço.
Fronsac
Chateau La Riviere, Fronsac, Bordeaux |
Menos conhecidas, Fronsac e Canon-Fronsac também estão na margem direita de Bordeaux e usualmente produziam vinhos cheios de vigor e notas de especiarias. Porém isso vem mudando em favor de tintos mais corpulentos, macios e untuosos, buscando um estilo mais similar aos encontrados nos seus vizinhos mais famosos.
Alguns produtores de destaque nessas regiões são Château de Carles, Château Fontenil, Château Moulin Pey-Labrie, Château le Trois Croix e Château Villars.
Outras denominações na margem direita
Também na margem direita, Côtes de Castillon e Côtes de Francs receberam sua própria AC em 1989 e os vinhos da região, quando bem elaborados, lembram os de Saint-Émilion, menos encorpados.
Côtes de Bourg está situada ao norte do rio Dordogne e produz tanto vinho quanto Bas-Médoc, assim como sua vizinha imediata Côtes de Blaye, que possui os vinhedos mais ao norte, situados na margem direita. Os melhores vinhos costumam ser redondos, encorpados e mais acessíveis quando jovens. As uvas Merlot e Cabernet Franc predominam na mescla de seus tintos, que lembram, no estilo, aqueles de Fronsac e Saint-Émillion.
Entre-Deux-Mers
Entre-Deux-Mers, Bordeaux, França |
Como o próprio nome diz, a região encontra-se entre os rios Dordogne e Garonne. Apesar de ser a maior zona produtora de Bordeaux e também a maior da França, dentre as regiões AOC, é marginalizada, quando comparada às demais denominações de Bordeaux. Nunca seus vinhos foram classificados e a maioria dos tintos, inclusive, não segue as regras da denominação Entre-Deux-Mers, enquadrando-se apenas como Bordeaux ou Bordeaux Superiéur.
Ali predominam os vinhos brancos secos à base de Sauvignon Blanc e Sémillon, os únicos autorizados a ostentar em seus rótulos a denominação AOC Entre-deux-Mers. São vinhos bons, frescos, florais com um toque picante, para serem bebidos jovens. E por não estagiarem em barrica, ganham leveza e frescor como nenhum outro.
Como escolher seu vinho
São tantas as denominações, características e cortes que dá para ficar confuso, não é? Mas agora que você já leu todos os nossos posts sobre Bordeaux, sabe como comprar um vinho da região?
Ainda é difícil, mesmo para nós, pode ter certeza. Bordeaux é grande e complexo. Mas dá para seguirmos algumas dicas práticas, de acordo com o tipo de vinhos que desejamos. Vamos a elas?
La Rose de Labérgoce Margaux 2008 |
Prefere os encorpados?
Vá direto para a margem esquerda, onde o solo quente favorece o cultivo da Cabernet Sauvignon. É em Médoc que se concentram os vinhos mais encorpados de Bordeaux, principalmente nas sub-regiões de Saint-Estèphe, Saint-Julien e Pauillac. Os famosos Margaux também são de lá e seguem a mesma linha.
Quer algo refrescante e fácil de beber (e que não pese no bolso)?
Quando o que se procura é acidez e frescor, a aposta certa são os vinhos minerais, que descem redondo, como água. Os melhores são os brancos de Pessac-Léognan, cheios de aromas que lembram pedras e o mar. Se prefere um tinto, opte por cortes com Petit Verdot.
Falando de brancos…
Algo que não se encontra com facilidade em Bordeaux são bons vinhos brancos. Mas eles existem, e seu lugar é Entre-Deux-Mers. Sauvignon Blanc, Sémillon e Muscadet deixam seus vinhos frescos, vivos e frutados, com bom corpo. Beba-os jovens pois, como a maioria dos vinhos brancos, devem ser consumidos até três anos após o engarrafamento.
Chateau Lalaurie |
Vinhos complexos para bons conhecedores
Já experimentou de tudo e não se contenta com pouco. É normal: quanto mais aprendemos sobre vinho, mais queremos aprender. Uma boa aposta é a região da Saint-Émilion. Os melhores vinhos de lá são feitos pelas mãos das próprias famílias em produções pequenas.
Os vinhos de Saint-Émilion são tão elegantes que o rei Luis XIV os descreveu como “néctar dos deuses”. São vinhos de guarda, que aguentam anos envelhecendo e evoluindo – eles vão perdendo a cor e ganhando aquilo que chamamos de buquê, uma enxurrada de aromas complexos.
Château du Barry AOC 2012 |
Vinhos exóticos? Desconhecidos?
Para você, vinho bom é aquele que rende boas histórias para contar? Então procure por um autêntico Saint-Macaire, cuja uva homônima está quase em extinção, mas ainda é resguardada por alguns produtores locais. Saint-Foy-Bordeaux também vale a pena conhecer, é uma região pouquíssimo falada de Entre-Deux-Mers (pode ser tinto seco ou de sobremesa).
E vinho doce, tem?
Muito! É nas regiões de Sauternes e Barsac que estão os mais apaixonados (e apaixonantes) vinhos de Bordeaux. Sauternes é considerada a melhor região do mundo para vinhos de sobremesa, igualada apenas pelos Tokajis, da Hungria. São vinhos dourados e doces, mas elegantes, bem estruturados e complexos. Vale muito a pena provar.
Além disso, Entre-Deux-Mers possui boas denominações para vinhos de sobremesa: Loupiac, Saint-Croix-du-Mont e Cadillac. Guarde esses nomes – apesar de mais simples e menos populares, são encantadores e mais em conta (muito mais!).
Bordeaux para o churrasco?
Carnes que saem amaciadas pela brasa pedem vinhos mais encorpados. A Cabernet Sauvignon e a margem esquerda são ideais. Mas busque também os vinhos que levam Merlot, cujos toques terrosos combinam muito bem com o assado na brasa. As regiões são as mesmas que mencionamos, vá pela ordem: Saint-Estèphe, Pauillac e Médoc.
E naquele jantar especial?
Das duas uma: ou escolhe um vinho jovem, mas no ponto para beber, ou tira aquele que está há anos na adega. Caso não tenha um vinho de guarda, vá para Pomerol. É a terra do Château Petrus (o mais caro e famoso da França), mas também de onde saem Merlots que já nascem prontos para beber – fáceis, aveludados e não precisam de décadas para evoluir. São também mais fáceis de encontrar em restaurantes. Mas lembre-se, é um jantar especial, e se a ideia é brindá-lo com Bordeaux, não será barato!
Château Charmail Cru Bourgeois Haut-Médoc 2007 |
Presentear também é impressionar
Quer dar um presente para alguém que realmente vai apreciar um incrível vinho de qualidade? O nome Margaux é famoso, não só pelo mundialmente conhecido Château Margaux, mas também pelos outros vinhos da região. Elegância, refinamento, frutas, tostado, café e, às vezes até trufas! Procure por vinhos de 2000, 2002, 2005 e 2009 e veja você mesmo.
Quer impressionar, mas não pode investir tanto assim? Graves é uma bela opção para tintos e brancos. Os vinhos que levam a denominação Bordeaux Superiéur costumam ser mais baratos, pois suas uvas podem ter sido cultivadas em qualquer sub-região. São mais simples, mas ainda assim uma excelente aposta.
Robin Saint Denis 2010 |
Para esquecer na adega por décadas
Bordeaux é um dos referenciais no mundo dos vinhos quando o assunto é guarda. Os vinhos das melhores safras podem durar 10, 20, 30… 50 anos! É até difícil de acreditar, mas é verdade. Nesse caso, não dá para apostar em qualquer vinho.
Aliás, longe disso. Estes vinhos não estão à venda em mercados comuns. Os mais famosos – Châteaux Petrus, Margaux, Lafite-Rothschild, Latour – são encontrados apenas leilões, e custam oito mil, 12 mil, 20 mil reais.
Ainda não sei do que gosto
O que fazer? Experimentar! Claro, precisa ir aos poucos. Comece pelos frutados (tintos ou brancos) de Graves, pois são mais leves, e seus sabores agradam a qualquer um. Depois disso, passe para os que levam a uva Merlot, a mais macia de todas, fácil de beber. Depois, parta para os cortes com Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc, os clássicos dos clássicos de Bordeaux.
Texto escrito por Renata Pacheco Tavares – Publicado no site vivaovinho.com.br em 06/10/2016.
Parceria Blog da Gavioli e Viva o Vinho
Como é comum, uma publicação puxou outra e cheguei ao blog Viva o Vinho, uma produção conjunta da Renata e do Emanuel Alexandre Tavares, marido dela. Desde então, de tempos em tempos, me comunico com a Renata e nunca mais deixei de acompanhar o trabalho deles sobre vinhos.
Então fizemos uma parceria para publicar aqui no Blog da Gavioli o material que eles produzem. Tenho certeza de que todos os leitores do blog só têm a ganhar devido ao maravilhoso conteúdo que o Viva o vinho publica.
Aproveitem!!!
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