Estou que não me contenho, que alegria! Há pouco até liguei pra minha mãe pra contar. Fiz meu primeiro pain au levain, isto é, pão com fermento natural que eu mesma cultivei.
Há alguns dias falei aqui sobre o livro Pão Nosso, de Luiz Américo Camargo. Eu disse que tinha me empolgado com o que li e que tentaria fazer o fermento e em seguida o pão.
Cuidadosa com a possibilidade de fracasso iniciante, eu me contive todos esses dias, desde o dia 4/11 estou trabalhando no fermento, para não falar antes da hora e estragar tudo. Ansiedade não funciona quando o assunto é pão. Fui atenta ao recado dado pelo próprio autor sobre o pain au levain:
(…) aplaca minha ansiedade, me restaura dos surtos de onipotência. Não há como ligar no modo “velocidade máxima” uma fermentação que precisa de todo um ciclo. Não há como tirar do forno em meia hora um pão que deve ser assado em 45 minutos. Não há como obter, num estalar de dedos, enfim, aquilo que é produto de um complexo processo que envolve clima, microorganismos, técnicas…
Devo dizer: tive que me conter muito, mas agora já dá pra contar minha experiência.
Só que pra começar… eu fui um pouco desobediente. Não sem causa e nem tresloucadamente. Como já havia lido e feito curso on-line de pães sabia que o elemento-chave sugerido por Américo para começar a fermentação, o abacaxi, poderia ser substituído por outra fruta. Usei maracujá. Simplesmente porque não tinha como sair para comprar abacaxi naquele momento e queria começar logo.
Produção do fermento (levain)
- 04/novembro, às 13 horas – 1o. dia – 1o. passo
Ingredientes
4 colheres (sopa) ou 60 ml de suco de maracujá
1/3 xícara (chá) ou 50 g de farinha de trigo integral.
Como proceder: Misture os ingredientes, respeitando rigidamente as medidas, formando uma massa. Guarde num pote, vidro ou vasilha de inox, num lugar seguro, de preferência escuro e coberto (enrolado mesmo) com um pano limpinho. Depois de 48 horas mais ou menos, a massa formou algumas bolhas.
Obs: Eu tirei a polpa do maracujá e bati no “pulsar” do liquidificador. Coei retirando completamente as sementes.
Anotações do fermento |
- 06/novembro, às 20 horas – 3o. dia – 2o. passo.
Ingredientes
1 1/2 colher (sopa) ou 20 ml de suco de maracujá
3 colheres (sopa) ou 30 g de farinha de trigo integral.
Como proceder: Misture os novos ingredientes àquela mistura com as bolhas, o nosso levain. Novamente, guarde naquele lugar seguro, escuro, e enrolado com o pano limpo. Deve-se mexer umas 3 vezes por dia (eu só mexi uma). Mais 48 horas, a massa formou mais bolhas
- 08/novembro, às 19h35 horas – 5o. dia – 3o. passo.
Ingredientes
1/3 de xícara (chá) ou 50 g de farinha de trigo integral
2 colheres (sopa) ou 30 ml de água
Como proceder: Misture tudo e espere mais 24 horas. Cubra com o pano.
- 10/novembro, às 9h30 – 7o. dia – 4o. passo
Ingredientes
1/2 xícara (chá) ou 75 g de farinha de trigo integral
2 colheres (sopa) ou 30 ml de água
Como proceder: Deve-se jogar metade do que foi cultivado fora e ficar com apenas metade do levain. Juntam-se a água e a farinha de trigo. Mistura-se tudo. Cubra com o pano. Mais 24 horas de espera.
Nesse ponto eu me confundi. Primeiro acrescentei a água e a farinha e só depois notei que deveria ter jogado metade da fermentação fora. Consertei como pude. Reparti metade e tentei por feeling alimentar a massa novamente. A insegurança bateu forte. Achei que ia perder tudo. Mas insisti.
Notei agora, em retrospectiva, que no livro Pão Nosso, há duas informações diferentes quanto ao tempo de espera nesse ponto. Se seguisse o resumo esperaria 48 horas, mas segui o passo a passo. Então, aguardei apenas um dia.
- 11/novembro, às 9h15 – 8o. dia – 5o. passo
Ingredientes
Aqui encontrei mais uma diferença entre o resumo do livro e o passo a passo. Desta vez em relação às medidas. Vou escrever aqui como eu fiz.
1/2 xicara (chá) ou 100 g da massa em fermentação
1 3/4 xícara (chá) + 2 colheres (sopa) ou 300 g de farinha de trigo integral
1 xícara (chá) ou 240 ml de água
Como proceder: Deve-se separar somente 100 gramas do material que está em fermentação (levain) e o resto é dispensado. Juntam-se a água e a farinha de trigo. Mistura-se tudo. Agora serão somente 4 (ou até 8 horas) de espera para a massa dobrar de tamanho. É bom trocar de recipiente agora, ir para um maior.
IMPORTANTE: Note que a proporção é sempre 1 medida de levain, 2 medidas de água e 3 medidas de farinha de trigo integral.
- Ainda no 8o. dia, às 16h. – 6o. passo
Repete-se exatamente a mesma operação do 5o. passo. Mesmas medidas e parte do levain descartado. O mesmo tempo para que cresça novamente.
Nesse ponto eu fiz duas mudas de fermento. Foi quando acabou a minha farinha de trigo integral. Então, uma das mudas é de farinha branca e a outra integral.
Transcorrido o tempo previsto, o fermento estava pronto para uso ou para ser guardado em geladeira.
Receita do Pão Branco Clássico com Casca Grossa
Ingredientes
3/4 xícara (chá) ou 200 g de levain ou fermento natural
1 2/3 xícara (chá) ou 400 ml de água filtrada ou mineral
4 1/4 xícaras (chá) ou 600 g de farinha de trigo branca
2 colheres (chá) ou 12 gramas de sal
Dissolva o fermento na água e acrescente aos poucos a farinha de trigo. Mexa com uma colher de pau para misturar bem. Em seguida, segure a vasilha com uma mão e com a outra sove a massa. (A minha foi grudenta o tempo todo, não sei se isso é o certo. Quando tiver mais experiência vou saber). Apesar de grudenta, tente não colocar mais farinha porque isso tornaria o pão mais duro.
Sove a massa por 10 minutos, esticando-a conforme vai acrescentando toda a medida do sal de forma homogênea.
Deixe a massa descansar de 4 a 8 horas.
Após esse tempo, em superfície lisa e limpa, estique a massa apertando-a com os dedos para que libere os gases da fermentação. Modele o pão.
Deixo-o descansar em forma untada com farinha de trigo por cerca de uma hora e meia ou duas, coberto com um pano limpo.
Pré-aqueça o forno a 220 graus, por 30 minutos no mínimo.
Leve o pão ao forno não sem antes borrifar água fria sobre ele. Isso formará a casca.
Asse por 45 minutos ou até que fique dourado.
Tire do forno e da assadeira e deixe o pão esfriar sobre uma grade (pode ser uma das grades do forno).
Sobre a experiência
Comecei esse texto contente por ter conseguido cumprir todas as etapas e, como prêmio, hoje, pude provar do pão cujo fermento eu mesma criei, no sentido de quem cultiva, claro. Afinal, as leveduras é que agem, não somos nós. Nosso papel é apenas alimentar os bichinhos para que floresçam.
Tive muitas dúvidas no decorrer do caminho, mas tratei de respeitar as instruções do livro Pão Nosso. Tratei meu fermento com muito respeito, carinho e boas energias.
Senti falta da minha mãe por perto para me dizer o que fazer com a massa grudenta. Eu modelei o pão de madrugada e por isso não dava pra telefonar e fazer consultoria com a dona Neuza, como é comum na minha vida de cozinheira.
Lembrei-me com afeto das inúmeras vezes que a vi modelando pães na minha casa. Era tanto, tanto amor e uma enorme habilidade, fruto de muita experiência e inúmeras repetições. Minha mãe não faz pão com levain, mas parte do fermento que eu consegui cultivar vou levar pra ela.
Tão logo cortei o pão, vi que ele estava sadio, aerado, robusto. Claro que liguei pra ela pra contar. Eu estava e ainda estou um tanto extasiada. Ah! As emoções da cozinha, há quem as tenha pra valer!
Pretendo repetir a experiência usando farinha integral. Não será preciso fazer novo fermento porque, caso eu tenha habilidade para cultivá-lo, poderei usar o que já fiz, apenas alimentando-o sempre. Contudo, esse será um novo processo.
Entre a escolha dos ingredientes, a atenção e o cuidado no manuseio, a observação do tempo, a noção vinda dos odores diversos provenientes de reações químicas e físicas, as tais percepções organolépticas, tudo está ali presente no pão.
Tão simples, tão corriqueiro, em qualquer lugar do planeta lá está ele no prato e nas mãos das pessoas, alimentando a fome de cada um.
O pão é do homem, não é do bicho. A inteligência humana nos levou ao pão e olha que a história já remonta muitos séculos desde que se tem notícia da primeira vez que ele foi assado em forno de barro (cerca de 7 mil ano a.C.).
Cheio de simbologia, significa a partilha e a união. Foi escolhido para ser consagrado como o corpo de Cristo para que, em comunhão, os homens partissem e partilhassem e, com ele, bebessem o vinho.
O meu pão – Um pouco queimado embaixo, não muito corado, nem muito alto. Com formato meio achatado e com um gostinho de azedo do fermento. O meu pão!
Eu só posso me sentir realizada hoje. Nada mais.
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