Em tempos de transição na vida, quando a gente dá um tempo para pensar em que quer fazer daqui pra frente e de que jeito pretende fazer, se ficar parado, nada rola, mas se der uma breve olhada em volta, acaba se envolvendo com assuntos diversos, arejando a cabeça e abrindo espaço para milhões de ideias.
Por conta dessa minha fase, ontem e anteontem, estive no Seminário Alimentação Hoje – Entre Carências e Excessos, no Sesc Belenzinho. Para quem acompanha o blog, na terça, já compartilhei algumas informações a que tive acesso durante o evento. Entretanto, o que mais me interessa compartilhar no momento são impressões, muito mais do que meramente informações.
Entre as minhas impressões, me pareceu que, no Brasil, o lado nutricional do imenso universo da comida, diferentemente da Gastronomia que tem ares de moda passageira para alguns (não pra mim), está consolidado. Há articulação e planejamento entre os profissionais dessa área que estão bastante envolvidos inclusive com as políticas públicas que se referem à segurança alimentar e nutricional.
Também me impressionou que venha sendo observada uma evolução positiva na administração dos principais problemas elencados por esse setor que não são poucos. Para dar uma ideia, questões relativas à fome endêmica, a desnutrição ou o aumento da obesidade, a rotulagem de produtos, as legislações que permitem o abusivo uso de açúcar e sódio nos refrigerantes e sucos de caixinha, a publicidade sedutora de “besteiras” para comer, a alimentação nas escolas, a produção de transgênicos e outros tantos exemplificam as preocupações e ocupações desses profissionais. Mas, pelo que vi, há encaminhamentos para que esses assuntos sejam solucionados. Parece mesmo que há otimismo e atitude nas pessoas que lidam com esses entraves. Muito bacana de ver.
Outro ponto de destaque é o preparo e a articulação dos participantes convidados para os paineis dos dois dias em que participei do seminário. Sem exceção, não houve gente mal preparada nas mesas. Ponto muito positivo para os que desenharam o encadeamento e a ementa do evento. Eu que fiz isso durante anos, me vejo bastante tranquila para julgar esse quesito. Foi tudo feito com muito profissionalismo.
Entre as apresentações de ontem, o meu maior interesse estava focado na questão da identidade cultural da comida no Brasil, o último painel do dia. Pois não deixou a desejar. A participação do crítico da Folha de São Paulo, Josimar Melo, como mediador funcionou bem, mas numa mesa como aquela em que falaram Joana Pellerano e Mara Salles, respectivamente, jornalista professora de Gastronomia e História do Senac e cozinheira dona do restaurante Tordesilhas, nada tinha mesmo como dar errado. O debate foi de altíssimo nível. Nessa mesa, também estava Bela Gil, que tem feito um bom trabalho ao ensinar a cozinhar na GNT.
Joana é estudiosa, sabe conceituar e explicar a comida como cultura de maneira didática tornando compreensíveis os aspectos simbólicos das refeições, indo muito além do nutricional. Já Mara Salles é cozinheira e chef de cozinha envolvida em projetos de educação para pessoas que cozinham no dia a dia, ela transita habilmente nos ambientes gastronômico e da pesquisa alimentar, já que tem um restaurante reconhecidamente de qualidade nos Jardins em São Paulo e nem por isso deixa de pesquisar Brasil adentro a realidade da comida do país.
Não deixando passar a oportunidade de mencionar outros excelentes momentos entre os muito bons que tive durante o seminário, perguntei ao palestrante Enrique Jacoby, representante da Organização Panamericana de Saúde em Washington, sobre o papel do gastrônomo no cenário da alimentação da América Latina. Ele respondeu que a contribuição desses profissionais é importantíssima para que a qualidade do alimento seja valorizada, uma vez que os chefs não admitem trabalhar com produtos abaixo de um determinado padrão. E, segundo ele, isso nada tem a ver com alimentos bonitos e uniformes produzidos em larga escala, mas, principalmente, com diversidade, valorização regional dos ingredientes e prevalência de sabor. Para exemplificar, mencionou que no Peru, a Associação de Gastronomia foi diretamente responsável por uma moratória de dez anos para a entrada de alimentos transgênicos no mercado consumidor.
Em resumo, depois de ouvir Jacoby, minha avaliação é que temos ainda mais uma frente como profissionais da gastronomia que vai ainda além da preservação da comida como patrimônio em nosso país, que é a busca pela melhor qualidade alimentar em todos os níveis e isso se dá pelo nosso envolvimento nas questões de produção, mercado e consumo. Ou seja, fui ao seminário certo.
Há ainda que se falar do Sesc Belenzinho. Um desses oásis que a gente descobre nesse deserto urbano em que vivemos. É bem público que sou fã do Sesc, mas o espaço ali é, de verdade, encantador. Amplo, funcional, leve. Um modelo de espaço bem criado e desenvolvido para a convivência plena de pessoas. Não sei quantas pessoas atende por dia ou por mês, mas com tantos recursos disponíveis acredito não sejam poucos os paulistanos e visitantes que se beneficiam da estrutura todos os dias. Sensacional mesmo.
Só pra fechar o texto sobre as impressões que tive, a primeira foi a emoção que senti logo que cheguei. Os organizadores do evento prepararam uma recepção amável aos participantes. Havia no terceiro andar, no hall de entrada do salão, um casal, ele tocando violino e ela distribuindo breves excertos de textos da doceira Cora Coralina. Cada pessoa podia se aproximar e sortear um, como fazemos com aquele periquitinho que lê a sorte. O meu foi o seguinte:
Sou mais cozinheira do que escritora, sendo a culinária a mais nobre de todas as Artes: objetiva, concreta, jamais abstrata a que está ligada à vida e à saúde humana.
Chorei.
Até amanhã.
Quem escreveu esta frase?
Attilio, a que frase você se refere? Pensar a alimentação, impressões? Fui eu. O texto é meu. Por quê? Há algum outro texto que você tenha visto com a mesma frase?