Dizem por aí que existe uma tal de inveja boa. Eu não acredito nisso. Acho que inveja é inveja e acabou. Quem cobiça o que é do outro bota olho gordo e isso pra mim não tem como ser bom, de jeito nenhum.
O que eu acho que existe é inspiração. Você olha uma coisa e pensa “nossa, como isso é inspirador, gostaria de poder ter também” e aí vai lá, pensa, admira, quebra a cabeça, batalha muito e encontra o seu caminho para algo que, talvez, também inspire alguém.
Quando ganhei o livro Pois Sou um Bom Cozinheiro, em janeiro deste ano, a primeira coisa que senti foi que alguém fez um livro como que eu gostaria de ter feito. Só que as receitas, histórias e os sabores são da vida do Vinícius de Moraes. Difícil será encontrar algo mais inspirador.
Desde a textura da capa editada em papel fosco, as fotos de toda a edição e os textos, tudo é muito bonito e agradável aos sentidos.
Há imagens de receitas que mostram a cuidadosa caligrafia de quem copiava uma lição rara sobre como temperar e assar um peru ou fazer um bolo de Natal. As letras formam palavras que parecem bordadas nas linhas de pauta do papel já amarelado por causa do tempo. Assim como são as páginas iniciais de alguns cadernos de receitas da minha mãe. O que você vai encontrar até a quinta ou sexta página somente porque depois… tudo vira garrancho de letra de receita copiada ou ditada às pressas.
Um prefácio para um bom cozinheiro
O prefácio escrito por Laetitia Cruz de Moraes Vasconcellos, a tia Leta, como é chamada a irmã de Vinícius, em fevereiro de 2013, começa assim:
Às vezes eu me pergunto se as pessoas percebem o quanto suas mais gratas e duradouras lembranças estão ligadas a cheiros e sabores sentidos durante os períodos mais importantes da vida: a meninice e os albores da adolescência.
Eu, a cada dia, percebo mais. Embora goste de experimentar novidades, não tenho dúvida de que aquilo que me conforta e me abranda a alma são os cheiros e sabores que me levam de volta aos tempos de menina. Como o gosto de carambola da casa da tia Alzira ou o cheiro do pão doce da Therezinha Boff, minha tia por assimilação, já que eu e a Helô, que é sobrinha mesmo, vivíamos lá na casa dela filando um pedaço.
Pois Sou um Bom Cozinheiro – receitas, histórias e sabores da vida de Vinicius de Moraes – foi organizado por Daniela Narcizo e Edith Gonçalves e editado pela Companhia das Letras, em 2013. Dividido em receitas da casa, receitas de rua e receitas da obra e com o prefácio da irmã do poeta, traz um repertório de pequenas histórias que misturam o que ele gostava de comer, de preparar ou de modificar no preparo de outro cozinheiro. O nome da obra é uma alusão a um verso de seu poema Autorretrato.
Além de poetinha, Vinícius foi diplomata e viajou por muitos lugares onde experimentava sabores novos.
A impressão que se tem olhando a obra de Vinicius é que ele era um grande sujeito, desses que sabem o que é bom apreciar. Nesse quesito, comida é que não vai faltar.
A alma saudosa de um poeta sempre o faz voltar a suas origens. Para Vinicius de Moraes, a memória está no paladar simples da comida brasileira, do Rio de Janeiro de seu tempo. Sua vida e sua história de homem viajado lhe deram a chance de provar e escolher entre os melhores preparos do mundo já que, como em outros lugares, viveu também em Paris.
As receitas do livro não estão ali só da memória que se tem do poeta, de seus amigos, suas cartas. Os pratos foram preparados por chefs como Alex Atala, Claude Troigros e Emmanuel Bassoleil. Entre os preparos estão desde um simples “brigadeiro, quero dizer, o doce feito com leite condensado” até um ravioli crocante de banana ao maracujá.
Ainda outro dia, testei uma das receitas do livro. Fiz o pão de minuto, que quanto ao sabor final não me cativou profundamente, mas a ideia era mesmo preparar uma sugestão de pãozinho que esse nosso poetinha tanto gostava. Isso já bastou.
Se for a uma livraria, procure por essa obra. Experimente pegar na mão, folheie e veja o que acha. A sensação pode te fazer comprar o livro ou não, mas estou certa que vale degustar.
Bom início de semana, boa leitura, seja ela qual for, não deixe de ler.
E para não perder a oportunidade, fui procurar uns versos do poetinha para o meu amor. Eu ia escrever aqui, mas descobri que um dos livros que eu mais gostava, uma Antologia de Vinicius de Moraes, sumiu. Isso só me faz afirmar categoricamente que inveja (mesmo a boa) não existe mesmo! Os versos ficam para outro momento.