Uma história que quase todo mundo conhece é a da visita dos reis magos a Maria, José e o menino Jesus, levando ouro, incenso e mirra. Antes de abandonar esta leitura porque ela sugere um caráter doutrinário ou religioso, convido a refletir sobre o valor simbólico dos presentes dados à sagrada família pelos magos viajantes, sem nem sequer esbarrar em religião. Ao aceitar o meu convite, você vai continuar lendo o texto, claro!
Mesmo que você não saiba, como eu não sabia, o que é mirra* e pra que ela serve, pare um instante e pense no significado embutido no ato de presentear com ouro, por exemplo. Por tradição, quando nasce uma criança, os avós ou padrinhos, ainda hoje, de acordo com suas posses, presenteiam simbolicamente o recém-nascido com uma pecinha de ouro, que é para ser guardada. Quando o bebê crescer um pouco saberá que história está simbolizada naquele presente guardado. Os pais vão contar à criança quem foi que lhe deu aquela joia e será lembrado o momento em que ela foi recebida, criando laços simbólicos entre os envolvidos.
Um metal precioso, além de ter valor financeiro que o caracteriza como bem material importante, carrega uma certa ostentação de nobreza ou realeza e o ouro, entre os metais, é um dos mais resistentes e longevos, uma vez que ultrapassa gerações e se mantém intacto, o que o fez, historicamente, lastro de valor acumulado pelas nações de todo o planeta.
Toda essa história para sugerir o mel como presente. Não apenas material, caracterizado somente como produto ou ingrediente fisicamente, mas também cheio de simbologias, as quais me atrevo a esboçar enquanto recomendo mel e seus aparentados (própolis, geleia real, além de produções culinárias e gastronômicas como bolos, doces e outros mais) como um bem a ser ofertado ou recebido.
Um vidro de mel, mesmo quando é caro, no seu bolso, vai custar menos que uma “lembrancinha” de boa qualidade que é a que, de forma geral, buscamos para presentear pessoas queridas. Mas, não é interessante pensar que, ao dar um pote de mel de presente, o regalo leva consigo uma dádiva de sabor doce com inúmeras possibilidades de usos que vão do curativo medicinal ao gastronômico?
Amarelo ou âmbar, assim como o ouro, o mel tornou-se sinônimo de uma cor, que remete a valores positivos de doçura e aconchego. Note que as embalagens de mel são, em sua maioria, transparentes, sejam elas de vidro ou plástico, e sempre prezam por deixar à mostra a cor do que contém. Deixe um pouco de lado a ideia de pureza cristalina que se tem com a transparência do líquido viscoso e pense em como a cor de mel lhe dá a uma boa sensação, mesmo se um pouco turva.
Encanta-me também pensar no mel como resultado do trabalho de uma sociedade feminina organizada na qual a produção se dá por meio de trabalho coletivo, de abelhas operárias que labutam numa hierarquia em que existe uma abelha rainha. Uma sociedade feminina… A mim, que sou mulher, soa mais justa, responsável e igualitária, menos competitiva e predadora. Isso sem contar na generosidade de quem produz. Uma produção que será consumida por outra espécie animal, que não serve somente para o próprio sustento das abelhas. Ah! E que, tampouco, é cobrada monetariamente de quem a consome. Se, numa árvore do seu quintal, surgir um enxame de abelhas e ali for produzido mel, as abelhas não cobrarão um único centavo pelo produto que virá da extração. Seja qual for a qualidade do mel retirado dali, as operárias não estabelecem preço a ser pago por sua produção.
Diante de tanta simbologia, os meles em suas diversas versões passam a figurar entre as opções de presente mais deliciosas tanto de dar, quanto de receber. Para quem, quando e em que formato vai depender de cada oportunidade.
Seja para amigos ou parentes, de perto ou de longe, para gente que a gente convive no trabalho, na vizinhança, na comunidade ou na escola; pode ser em virtude de uma data comemorativa, como agradecimento ou numa visita de cortesia; talvez, apenas você tenha tido vontade de preparar aquela receita de pão de mel que tanto ama ou, quem sabe, passou em frente à vitrine de um empório e foi arrebatado por sentimentos da infância ao notar aquela tripa de saquinhos de mel ao lado de um queijo da canastra; sempre há um bom motivo, sempre há um significado para presentear com mel.
Para os amantes da culinária e da gastronomia, um pote de mel é um “infinito particular” de possibilidades. Para comer puro, com queijo, no pão, para usar no preparo de doces, nas receitas de saladas, nos assados, nas finalizações dando o brilho que o prato de chef precisa, tudo é motivo para querer ganhar um pote, um saco, um litro ou um balde de mel.
Agora, voltando à história do ouro, incenso e mirra. Já que quem conta a história, sempre a reconta, podia ser ouro, azeite e mel, não acha?
* óleo amargo de uma resina vegetal valorizado no passado por seu uso para fins medicinais
Autor: Maria Cláudia Gavioli Publicada na revista Mensagem Doce n.159 APAME Associação Paulista de Apicultores Criadores de Abelhas Melíficas Europeias
Sugestão do Minestrone: ouça também o podcast sobre mel.