Convidada especial: Patricia Poslednik de Oliveira
Sobre comida e música
Não sou chef de cozinha, mas, sempre gostei de cozinhar. Lembro-me das primeiras peripécias na cozinha da minha avó materna, lá pelos meus 6 ou 7 anos, junto com a queridíssima Florinda, doméstica dos meus avós, generosa que só ela.
Fiz minha mãe me inscrever em um curso de culinária do Sesi (tenho o caderno de receitas até hoje) e fazia todas as “iguarias” em casa. Meu tio-avô era um grande incentivador: experimentava tudo e elogiava. Naquela época, eu deveria ter uns 10 anos, também morava, na casa deles, minha bisavó ucraniana. Ela não falava nenhuma palavra em português, mas só de lembrar o perfume do vareniki (pastel cozido recheado com queijo e batatas e coberto com cebola picadinha no molho de manteiga e creme de leite azedo), parece que consigo entendê-la.
Na casa dos meus avós maternos, os dois de origem ucraniana, tinha, sempre, muita música e algumas guloseimas sobre mesa. O bolo, os pães, as bolachas, o “tchai” (chá em russo, feito com açúcar queimado) tudo ali, para acolher quem chegasse. Minha avó seguiu a tradição da sua mãe e minha mãe a da minha avó. Até hoje, em casa, as bolachas ficam nas latas em cima da mesa da cozinha, assim como o bolo ou a torta ou o chocolate. Meu avô, até seus últimos dias, adorava visitar uma padaria, fazer seu feijão em panela de ferro ou ralar mandioca para minha avó fazer pequenos bolinhos deliciosos. Ela, também, fazia a melhor sopa de beterraba (borscht) do mundo. Um perfume que minha memória não apaga.
Meus avós paternos tinham origem bem brasileira. Meu avô era neto de um bandeirante com uma índia, e tenho certeza que vem dai minha paixão desenfreada pela tapioca e pelo polvilho. Passo horas pensando como os índios chegaram a uma manipulação tão especifica da mandioca. Minha avó era baiana, Dona Sinhá. Já o nome parecia saído de um livro de receitas. Seus irmãos também tinham nomes que pareciam personagens de Jorge Amado: Dézinha, Dozinho, Beijinha, Santinha, Nazinha e Pai do Mato (tio Nenê).
Pai do Mato é avô de um chef de cozinha adorável de São Paulo, o Marcelo Fávaro, responsável, entre outras coisas, pelo festival de frozens do restaurante América. Acho que da minha avó, do sertão baiano, herdei o gosto pelos doces como quindim ou cocada, e, principalmente, pela farinha que vira farofa. Herdei, também, o gosto pelo cafezinho passado no coador de pano e o bolinho quente com manteiga aviação.
O tempo passou e me formei em Musicoterapia e, um ano depois, em psicologia. Inquieta, fui fazer uma pós-graduação em psiquiatria na Itália.
Napoli virou minha segunda casa. Além de aprofundar a teoria da comunicação afetiva como terapêutica, conheci novos sabores, novos sons, novos perfumes. Pude me apaixonar pelos varais aéreos da cidade e pela pizza tradicional, histórica; experimentar o vento que bate no rosto quando descemos a estrada beira-mar da famosa Costiera Amalfitana em um motorino (lambreta) e provar a melhor mozzarella de búfala do mundo. Fui a shows em praças públicas e comi a castanha (aquela tipo portuguesa) assada em latões nas ruas da cidade em pleno inverno. Fui à praia no verão e comi fritada de macarrão, o melhor lanche caseiro para se levar em um piquenique.
Um dos cafés mais deliciosos do mundo está em Napoli. Dizem que é a mistura do grão brasileiro com a água do golfo que faz ser o melhor da Itália e, eu, como boa “napolitana”, acredito. O Vesúvio me faz chorar de emoção toda vez que chego na cidade e o som das músicas de Pino Daniele se misturam com o perfume da sfogliatella já na estação de trem..
Música e culinária, para mim, sempre andaram juntas. Minha teoria é que as duas podem curar, fazer bem, aproximar pessoas. Há muitos anos, fiz um laboratório de culinária para deficientes visuais dentro do tratamento musicoterápico em uma instituição no Brasil e, acabei implantando um projeto de cozinha terapêutica em um Hospital Psiquiátrico no sul da Itália. Sempre tive a sensação de que cozinhar para o outro é uma forma de amor. Um ato generoso. Cozinhar para o outro, sentar à mesa, passar horas conversando e ouvir música só pode resultar em cura.
O sabor de um alimento pode mudar de acordo com a música que está ouvindo no momento. Testes cegos foram feitos na Unicamp e o resultado é genial.
Eu gosto muito de world music, entre outras coisas, mas, acho que é porque gosto do novo, de experimentar, de descobrir, de viajar. Tenho alma errante, mistura de cossacos ucranianos e índios brasileiros. Adoro fazer pizza ouvindo jazz, fazer doces sob as notas da MPB ou sovar a massa de pão ouvindo uma música regional.
Descobrir novos músicos talentosos é como descobrir um novo prato. Então, logo me apaixono e quero que todo mundo ao meu redor conheça a música do momento e a nova receita.
Neste momento, estou apaixonada por uma cantora pop ucraniana. Nascida na Criméia, Jamala tem uma voz espetacular, canta em um inglês legal e mistura tradição, jazz com um perfeito toque de modernidade. Para matar a curiosidade: https://www.youtube.com/watch?v=VCus5FtZ_5w
Exercícios para ativar a memória afetiva através da culinária e da música: lembrar um prato específico da infância e uma música da infância. Faça o mesmo com a adolescência e com a idade adulta. Prepare um prato com o perfume das suas memórias e saboreie com sua trilha sonora preferida. Coloque um som diferente, que não esteja acostumado a ouvir, mas que seja agradável aos ouvidos, vá para a cozinha e faça uma receita antiga.
Permita-se experimentar novas músicas, novos sabores e novas sensações.
Piernic
Piernic era um dos doces preferidos do Beato Papa João Paulo II. Esta é uma receita polonesa original, ótima para presentear os amigos na Páscoa.
Ingredientes
- 1 xicara de mel
- 1 xicara de açúcar mascavo
- 3 ovos grandes ou 4 pequenos
- 3 xícaras bem cheias de farinha
- 1/3 xícara de leite
- ½ maçã ralada
Temperos
- cravo moído
- canela em pó
- gengibre ralado (gosto bem picante, coloco quase uma colher de sobremesa)
- noz moscada
- 2 colheres (sopa) de cacau em pó
Modo de fazer:
- Misturar tudo com uma colher de pau. (Não precisa de batedeira)
- Acrescentar: 1 colherinha (café) de bicarbonato e 1 colherinha (café) de fermento em pó
- Por último, misturar frutas secas picadas (nozes, amêndoas, castanhas) ameixa, damasco, uva passa (passadas na farinha para não afundarem).
- Assar em forno baixo. Cobrir com chocolate derretido.
Sobre a convidada especial:
Patricia E. Poslednik de Oliveira é psicóloga e musicoterapeuta. Mora um pouco em Itu, um pouco em vários lugares do mundo. É dela a ideia do Saindo uma Fornada.
Texto maravilhoso, de uma simplicidade que chega a ser sofisticada. Conhecia já seus dotes culinários, sua biografia preciosa e sua escrita perfeita; essa musicalidade poética para descrever suas vivências, no entanto, deixam amantes de Flaubert com inveja. Beijo. Sucesso!
Lindo seu texto. Lembranças maravilhosas surgiram em minha mente me emocionando. Bjss