Cheguei a ficar com saudade de escrever. Nos últimos três dias, por mais que eu tenha me esforçado, não tive como me sentar em frente ao computador e escrever para o blog.
Primeiro porque estou providenciando tudo pra a viagem, como contei no texto Malas Prontas. Depois, eu inventei de, no sábado, juntar o jogo do Brasil contra o Chile com uma comemoração antecipada de aniversário aqui em casa. Foi uma delícia, mas, para receber pessoas é preciso providenciar coisas. No domingo, fui levar a Nina, minha gata, pra casa da minha mãe em Itu. Ela vai ficar lá durante a minha viagem, com a vovó (rsrs). Lá, dia 29 de junho, meu aniversário, com meus irmãos e sobrinhos, comemoramos com uma maravilhosa feijoada feita pela D. Neuza. Minha mãe não existe, é inventada, porque ela cozinha melhor que a tia Anastácia do Sitio do Pica-pau Amarelo.
Desta vez, a sobremesa foi o bolo de aniversário que ganhei da Bruna, minha amada sobrinha e afilhada. Não teve a dupla caçarola italiana e manjar branco. Mas como prometi na semana passada, hoje eu vou publicar a receita do manjar com calda de vinho tinto e ameixas.
Particularmente, eu gosto mais de raspar a panela do manjar quando ele termina de sair do fogo, do que da sobremesa pronta. Coisa de disputa infantil entre irmãos. Desde que quem fazia o manjar era minha avó e depois a minha mãe, sempre houve uma concorrência para saber quem ficava com a panela ainda quente e as sobras deliciosas daquele mingau incrível.
E a cena, invariavelmente, conta, até hoje, com a frase orgulhosa da minha mãe cozinheira, diminuindo o poder da alquimia que ela faz quando prepara a receita:
– Que bobagem brigar para raspar a panela, é só um mingau de maisena!
Mas não é.
O manjar varia de tamanho conforme o número de pessoas que vai comer, mas nunca é pequeno porque tem que sobrar para aquele momento gula da tarde e, de preferência, para um dia ou dois depois quando o branco do doce já tem uma cor de rosa, já que ficou embebido um tempo na calda adocicada do vinho tinto. Fica ainda mais gostoso e, em geral, está bem gelado. Mais que no dia que é feito e servido.
Como falei de um casal de sobremesas – manjar e pudim – uma dica interessante para conhecer o paladar desses doces de uma maneira inusitada é colocá-los no mesmo prato e deixar que se mesclem ou se complementem. Neste caso não é heresia, só gordice familiar. Dá super certo. A calda do manjar enobrece o sabor do pudim, deixando-o mais leve já que a caçarola não é um doce com calda rala, mesmo sendo feita em assadeira caramelizada com açúcar derretido. O caramelo fica bem escurinho e denso. Não tem nada a ver com o pudim de leite condensado, só o formato.
De criança eu só comia o miolo do pudim, ou melhor, da caçarola italiana. A parte mais doce e molinha. Depois arrisquei comer as bordas mais escuras e durinhas que são a parte onde o caramelo se une com a massa. Tempos depois, as ameixas no vinho me conduziram até o manjar. Hoje entendo o expressão “manjar dos deuses”, porque como ambos. Muitas vezes, juntos.
Na casa da minha avó havia um lugar, um quartinho de passagem da cozinha para a porta de dentro do banheiro, onde havia uma prateleira debaixo da janela na qual se guardavam as panelas. Quando a caçarola italiana saía do fogo, até que chegasse a hora de servir, o que podia acontecer no dia seguinte ao que tinha sido feita, ficava guardada ali. Aquele doce exalava um cheiro tão incrível que justificaria uma das crianças atacá-lo antes da hora. Não me lembro de ter acontecido nenhuma vez. Essa é a prova de que era uma casa com mais meninas que meninos, porque, quase sempre, os moleques são mais gulosos e endiabrados. Nós éramos quatro netos, mas só um menino. No fundo, a verdade é que fomos crianças bem comportadas e sempre soubemos ouvir “nãos”.
A família continuou com mais mulheres que homens. Meus sobrinhos são cinco, mas só um rapaz. Dá até pra imaginar o quanto ele tem chance de abrir a boca, não? O mulherio fala que não para. Quando o Gabriel era pequeno, uma vez, atordoado com tanta falação, ordenou em alto e bom som um “cheeeeeeeega” e levou as mãozinhas às orelhas tentando não ouvir mais nada. Por um segundo houve silêncio. Não mais que um segundo, eu garanto!
Na cozinha da minha mãe, a gente fala muito. Conta causos, reflete sobre política, conta o enredo da novela ou divide o capítulo que a outra não assistiu. São longas e intermináveis conversas. Eu tenho esse enorme privilégio porque sempre fui a assistente mais frequente da minha mãe na cozinha.
Por isso, sei, graças a Deus, como ela faz o manjar.
Manjar Branco
Ingredientes
Massa do manjar
1 1/2 litro de leite
1 vidro de leite de coco
2 xícaras (chá) de açúcar
6 colheres (sopa) de amido de milho – bem cheias
Calda
1 1/2 xícara de vinho tinto
4 colheres (chá) de açúcar
água
ameixas pretas com caroço
Modo de fazer
Ponha o leite para ferver, acrescente o açúcar e o leite de coco. Quando levantar fervura, acrescente o amido de milho dissolvido numa pequena reserva do leite. Mexa sem parar. Quando começar a engrossar, continue mexendo para que não grude demais no fundo da panela. Serão cerca de 5 minutos para o cozimento da maisena. Desligue o forno e despeja numa forma de buraco molhada com ameixas distribuídas no fundo. Deixe endurecer por cerca de 2 horas ou até esfriar. Desenforme no recipiente em que vai servir. Deve ser fundo o suficiente para que a calda que será colocada por cim não derrame.
Para fazer a calda, junte todos os ingredientes numa leiteira e leve ao fogo, até dar ponto de calda. Depois de fria, derrame sobre o manjar.
Dica: De preferência, deixe na geladeira e sirva no dia seguinte.
Na sua casa deve ter uma comida que se repete por que é preferência geral, não tem? Eu gostaria de conhecer a receita e, até mais que isso, o segredo da tradição. Por que você não me manda? Eu adoro as histórias de comida, em especial porque elas têm emoções contidas que as fazem ser muito mais que saborosas. São mágicas, têm o poder de abraçar a alma da gente e enternecer nossos corações. Para mim, são manifestações de amor puro, genuíno.