Participação especial da chef Patricia Souza
Hoje é quinta-feira e, como na quinta passada, eu pedi a uma amiga que fizesse um texto para que eu publicasse no blog. Eu pedi isso a vários amigos com características simples e muito específicas: texto bom e envolvimento direto no mundo das panelas.
Fiquei muito feliz quando recebi respostas positivas aos meus convites de gente que, para dizer pouco, eu só admiro!
Com toda a gentileza que é uma das mais adoráveis características da chef e professora Patricia Souza, ela me enviou o texto a seguir. Ela deu o título “Vamos cozinhar”, eu chamaria de “Um bom conselho para seguir”. Ah! Tem receita e tudo, mas de um jeito bem delicado… Então, vamos degustar.
Vamos cozinhar!
Como bem observa o escritor especialista em alimentação e gastronomia, Michael Pollan, em seu mais recente livro Cozinhar, o interesse em gastronomia tem aumentado cada vez mais, mas as pessoas estão cozinhando cada vez menos.
Em São Paulo os novos apartamentos têm cozinhas maiores, integradas às salas, as varandas parecem imitar um quintal propício para churrasco. Quando não há sequer espaço suficiente nos apartamentos, há o tal “espaço gourmet”. Nunca houve na TV tantos programas de culinária, nem tantas revistas de gastronomia ou matérias a respeito de comida na mídia. Sem falar nas filas dos restaurantes, das feiras gastronômicas e a nova febre dos food trucks.
Toda essa movimentação mostra que o paulistano e até mesmo o brasileiro de forma geral está mais interessado na questão da alimentação. Esta onda começou já há uns anos. Eu arriscaria dizer que o fato de os brasileiros terem passado a viajar mais fez com que tivessem contato com outras culturas gastronômicas o que provocou mudanças na sua própria cultura. A importação de gêneros alimentícios e o cultivo de alguns produtos que antes não se encontravam aqui aumentaram muito. Quem gosta de se aventurar na cozinha ou provar sabores diferentes sabe disso.
Mas apesar de a comida ser um dos assuntos mais falados ultimamente, gastamos mais tempo lendo e assistindo a programas sobre culinária do que efetivamente cozinhando. Nos tais espaços e varandas gourmets, figuram muitas vezes os produtos quase prontos, já temperados, ou com outras etapas já encurtadas! Em nossa sociedade, uma combinação de produtos industrializados prontos, numa única refeição, já é considerada cozinhar, dada a distância prática que tomamos desta atividade, antes tão elementar. O molho de tomate vem pronto, a carne cortada e temperada, até a salada vem lavadinha e cortadinha.
Quando, por mil razões, deixamos de cozinhar para consumir comida pronta ou parcialmente pronta estamos perdendo a oportunidade de comer bem em muitos sentidos. Estamos perdendo a identidade com a comida caseira, as receitas de família. É possível que o paladar das crianças de agora as remeta às memórias de produtos prontos ou industrializados, não ao que suas mães preparam para elas. Perdemos também nas questões nutricionais, ficamos com a ideia errada de que biscoitos integrais ou barrinhas de cereais são mais saudáveis do que uma salada de frutas. Banana engorda! Abacate engorda!! É inadmissível tomar suco de laranja de caixinha no Brasil! Com toda a laranja e todas as frutas que temos deveríamos tomar sucos naturais sempre!
Preparar comida em casa nos possibilita comer melhor porque podemos escolher ingredientes frescos, menos processados, com menor quantidade de aditivos. Claro, tem coisa que não vai dar para mudar muito como os hormônios na carne, mas dá para melhorar bastante. Dá para incluir aqueles alimentos com vitaminas e propriedades nutricionais que normalmente não consumimos em nossa “corrida” alimentação moderna do cotidiano. Com criatividade e um pouco de boa vontade é possível comer super bem, engordando menos e se divertindo muito!
A atividade de cozinhar pode ser aquele tempo para você mesmo, pode ser quase meditativo… Aliás, no Budismo, há a culinária Shojin, uma forma muito especial de cozinhar, na qual se cozinha devagar, concentrando-se nos ingredientes, no seu corte, na sua textura, aroma etc. Esta prática é de contemplação e deve ser feita em silêncio. Vale lembrar que nesta cozinha também, tudo deve ser utilizado, sem desperdício.
Nos dias em que você chegar cansado do trabalho, em vez de enfiar um pacote de qualquer coisa no micro-ondas e se jogar na frente da TV, cozinhe! Escolha alguma coisa simples e faça devagar, mesmo que você economize algumas etapas, como por exemplo, o molho pronto. Descasque, corte, mexa com o fogo, veja os alimentos se modificando, sinta o aroma. Coloque sua mente aí e deixe os problemas fora da cozinha! Se você se colocar neste estado de espírito vai descansar mais do que comendo uma gororoba qualquer em frente a TV. Além disso, melhor nutrido, sua cabeça e corpo funcionam melhor, alimentos como grão de bico têm propriedades antidepressivas, azeite e gergelim possuem uma ótima gordura para refazer a bainha de mielina dos neurônios (melhor condução de informações), logo melhor capacidade de pensamento!
Vou sugerir aqui uma receita simples, mas super nutritiva e deliciosa para esses dias…
HOMUS (pasta de grão de bico da cozinha árabe)
Antes de sair pra trabalhar, quando estiver tomando seu café da manhã (mesmo que seja só um cafezinho), coloque 1 xícara e meia de grão de bico em uma tigela com água, uns quatro dedos acima do grão de bico, arrume-se e saia para o trabalho.
Quando sair do trabalho passe em algum mercado que esteja no seu caminho. Compre um tomate, um limão, um pé de alface crespa que é mais macia ou lisa que é mais fácil de lavar ou ainda americana se você quiser mais crocância. Também uma cebola pequena, um dente de alho, um bom azeite extra virgem e sal se você não tiver em casa. Pegue também um vidro ou lata de tahine(pasta de gergelim), encontrado com facilidade em qualquer grande supermercado graças aos nossos imigrantes libaneses; um pacote de pão sírio. Temos o sírio integral hoje em dia, o que é melhor ainda.
Chegando em casa, tire os sapatos, se preferir coloque uma roupa mais confortável. Lave as mãos, o rosto e vá para a cozinha. Escorra o grão de bico, coloque-o numa panela de pressão e cubra novamente com água, uns três dedos acima, feche bem a panela e cozinhe por 30 minutos.
Enquanto cozinha o grão de bico, descasque a cebola, corte-a na metade e as metades em metades, obtendo 4 quartos. Pegue um dos quartos e pique bem miudinho e reserve. Descasque o alho e reserve (se você deixá-lo um pouco na água a casca sai bem facilmente). Lave de seis a dez folhas de alface, (caso haja mais pessoas) e reserve. Lave bem o tomate e corte-o em cubinhos, juntando à cebola picadinha; a esta mistura adicione uma pitada de sal e uns fios de azeite, misture e reserve. Corte o limão em quartos e esprema o suco, pode ser com a mão mesmo e reserve. Dê uma limpadinha na sua área de trabalho: jogue as cascas fora, guarde o que não precisa mais e só deixe o que vai usar. Separe pratos para comer, uma travessa pequena que você goste para dispor o homus, ponha a mesa. Escolha o que vai beber…
Quando você tiver feito isso, com calma, como na cozinha Shojin, meia hora terá se passado e o grão de bico estará cozido. Escorra-o, mas reserve uma xícara da água do cozimento. Pegue um liquidificador, coloque o grão de bico, com a água do cozimento, o suco de limão, os três quartos restantes de cebola, o dente de alho descascado, uma colher de chá de sal (adicione mais se quiser), uma boa colher de sopa de azeite, o suco de limão e uma colher de sopa rasa do tahine. Bata tudo!
Enquanto bate coloque as folhas de alface em uma travessa e sobre as folhas o tomate picadinho com a cebola. Depois de bater tudo, prove a mistura para ver se falta sal… Coloque na travessa, leve tudo para a mesa, inclusive o pão sírio.
PRONTO!!
Coloque uma boa colheirada de homus no seu prato e regue com mais azeite, coloque também a salada e vá degustando com calma… um pedacinho de pão, um pouquinho de homus, uma garfada de saladinha…
Não ligue a televisão! Divida a refeição com alguém que você gosta, mas se estiver sozinho, curta o que você fez! Aproveite para prestar atenção no sabor, coisa que raramente fazemos quando estamos conversando durante a refeição. Se preferir, coloque uma música calma e relaxe!
A limpeza da cozinha também faz parte da “meditação” e digestão. Guarde o restante do Homus e do pão na geladeira, você ainda tem outra porção pronta que pode ser consumida em até três dias! Enquanto lava a louça e guarda as coisas o seu corpo tem tempo de fazer a digestão, assim você não vai para a cama com o estômago cheio.
Patricia Rodrigues de Souza – é chef de cozinha e professora da FMU, mestre em Ciências da Religião pela Puc-SP, com a dissertação
Como as práticas alimentares no contexto religioso auxiliam na construção do homem.