Aquecimento ou “refrescância” numa bebida vai muito além da temperatura em que ela é servida. Fatores como acidez, gordura e graduação alcoólica interferem na função de aquecer ou refrescar de uma bebida.
A GORDURA: se consumirmos na mesma temperatura, um caldo de feijão e um caldo de mocotó, qual nos dará uma maior sensação de aquecimento? O caldo de mocotó, por ser mais gorduroso. Por esse mesmo motivo, quando comemos uma feijoada no calor (outro prato gorduroso), suamos “que nem um condenado”! Observando isso, percebemos que nossa ceia de Natal, copiada da Europa, é totalmente inadequada para nosso dezembro, quando estamos no verão, justamente pelo teor de gordura dos pratos símbolos (chester, tender e peru)!
Trazendo essa relação da gordura para a coquetelaria, vou destacar dois hot drinks aqui: o “choconhaque” (que quase sempre é um “chocobrandy“), que traz uma sensação de aquecimento não só por conta da temperatura do leite (quente), mas também por causa da gordura contida nesse leite e da graduação alcoólica do destilado. O outro hot drink que destaco aqui, é o irish coffee: além da sensação de aquecimento trazida pelo café quente, tem a graduação alcoólica do whisky mais a gordura do creme de leite aerado, o que aumenta essa sensação. Tanto o “choconhaque” quanto o irish coffee, mesmo se consumidos frios, nunca seriam considerados refrescantes, dada a natureza de seus ingredientes!
A ACIDEZ: se consumidos na mesma temperatura, o que trará uma sensação maior de frescor: uma soda limonada, ou uma Coca-cola? Um picolé de limão ou um de chocolate??? Tanto a soda quanto o picolé de limão ganhariam esses duelos, por conta da acidez, que é uma das responsáveis pela sensação de “refrescância” em bebidas e alimentos!
Se observarmos o mojito, ele não é refrescante somente em função da temperatura em que é servido! Tem também a acidez do limão, o mentol contido na hortelã, que estimula os chamados “nervos do frio” (como nas balas de hortelã e no Halls preto)!
Observando isso, mesmo se tomarmos um mojito numa temperatura alta, ele não seria um hot drink “eficiente”! Faça um teste para comparar: beba um chá de hibisco e um chá de hortelã, ambos quentes. Após os goles do chá de hibisco, respire e expire pela boca (como fazemos quando queremos embaçar um espelho) e repita essa respiração após os goles do chá de hortelã. Repare que o ar da respiração após o chá de hibisco permanecerá mais quente e o ar da respiração após o chá de hortelã será mais frio, mesmo os chás estando na mesma temperatura!
GRADUAÇÃO ALCOÓLICA: Mesmo bebidas associadas a “refrescância”, como a cerveja, nem sempre são ideais para refrescar!
Se eu tiver no cardápio, por exemplo, cervejas do estilo Belgian Golden Strong Ale ou do estilo Russiam Imperial Stout, elas são muito mais sugeridas para serem consumidas em uma lareira do que em uma praia ensolarada. Essa mesma lógica serve para o negroni e o manhattan, coquetéis que levam apenas bebidas alcoólicas em suas receitas.
Além desses três fatores que destaquei, existem também os alimentos termogênicos. O quentão não é um eficiente hot drink somente por causa da temperatura que é servido ou devido a graduação alcoólica da cachaça, mas também porque o gengibre é termogênico e ajuda a elevar a temperatura do corpo e acelerar o metabolismo. Ou seja: mais um exemplo de ingrediente que aquece independente da temperatura.
Se todos esses fatores forem levados em consideração ao se criarem cartas de bebidas sazonais divididas entre verão e inverno, elas podem ser mais eficientes e surpreendentes do que se imagina!