Sempre que faço eventos com amantes de vinho que ainda estão no “início do relacionamento” surgem questões interessantes às quais eu por vezes não dou a necessária atenção. Reuni as principais neste post e espero com isso ajudar muitos enófilos a explodir de vez alguns mitos sobre vinho.
Vamos a eles.
1) Vinho brasileiro é ruim ?
Mito
Foi-se o tempo em que vinho brasileiro era sinônimo de vinho ruim. A abertura às importações na era Collor forçou os produtores nacionais a se adaptarem a concorrência para poderem sobreviver. Somado a isso, há os eternos avanços tecnológicos, melhor compreensão do terroir, safras excelentes cada vez mais frequentes (2015, 2018, 2020 e 2021!) e o crescente número de produtores boutique fazendo vinhos cuidados e pensados em agradar nosso imenso mercado consumidor. Em média, por um mesmo valor, você vai ter mais chances de se dar bem com um vinho nacional do que com um importado.
Bons produtores nacionais fáceis de encontrar pelo país: Aurora, Miolo e Salton.
2) Vinho – quanto mais velho melhor ?
Mito
95% dos vinhos disponíveis no mercado estão prontos para serem consumidos e a grande maioria deles não se beneficiará com a guarda adicional. “Beneficiar-se com a guarda” significa amaciar taninos, no caso dos vinhos tintos e evolução dos aromas ou bouquet, para tintos e brancos.
Taninos são os compostos extraídos principalmente das cascas das uvas e que provocam a sensação de secura na língua (chamada adstringência), além de compor a sensação de corpo do vinho em boca. Com a evolução do vinho as moléculas dos taninos (largas cadeias carbônicas se tornam mais arredondadas e menos adstringentes. Algumas cadeias se alongam e precipitam, depositando-se no fundo da garrafa (saiba mais aqui). Os aromas frutados dos vinhos jovens evoluem para tostados, amendoados e especiados.
Saiba mais sobre a guarda de vinhos aqui.
Esse desejado “benefício” decorre do fato de o vinho ser um ser vivo, que segue se transformando dentro da garrafa. Assim como acontece com qualquer ser vivo, o vinho passa por um ápice, entra em declínio e morre – e a pergunta de 1 milhão de dólares é: quando ocorre o ápice do vinho?
3) Vinhos vedados com rolha são melhores que vinhos com tampa de rosca ?
Mito
A resposta a este mito está ligada à questão #2, sobre o tempo de guarda e evolução dos vinhos. As transformações são motivadas pelo oxigênio, que entra em doses minúsculas pela rolha porosa. Como 95% dos vinhos está pronto para consumo quando sai a mercado, 95% deles estariam mais protegidos do oxigênio e da consequente perda dos aromas frutados se estivessem vedados com tampas de rosca. Isso só não ocorre por resistência do consumidor e tradição.
Bônus: vinhos vedados com rolhas são sujeitos a contaminação por TCA. Estima-se que 10% das rolhas estejam contaminadas. Na Nova Zelandia, que foca sua produção em vinhos brancos de Sauvignon Blanc intensamente frutados, os vinhos vedados com rolhas são minoria.
4) Vinhos que passam por barris de carvalho são melhores ?
Médio
Os barris de carvalho chegaram ao mundo dos vinhos com o objetivo de servir como conteiners, para armazenamento e transporte, mas rapidamente notou-se sua influência benéfica nos vinhos e seu uso na indústria é mantido até hoje com grande protagonismo.
Essa influência benéfica no vinho advém da porosidade do carvalho. que permite a ocorrência de microoxigenação que amacia os taninos (de forma similar ao que ocorre com a guarda, comentada no item 3). A microoxigenação atua ainda estabilizando a cor dos vinhos e, no caso de barris novos (até o terceiro uso) também aportam aromas de baunilha, cravo, coco, café, especiarias etc. ao vinho. Saiba mais aqui.
É fato que os vinhos mais caros do mundo estagiam em barricas de carvalho, mas nem todo vinho irá se beneficiar dessa interação. Vinhos muito leves e frescos, no entanto, podem acabar subjugados pelos aromas da madeira (originando o famoso suco de madeira).
Olho vivo: se você gosta dos aromas da madeira nova no vinho, opte pelas aduelas ou chips. Devido à maior área de contato com o vinho, a transferência de aromas será muito mais eficiente, assim como o aproveitamento da matéria prima e a menor pegada de carbono.
5) Vinho doce ou suave é ruim?
Vinho doce e vinho suave não são mesma coisa. Sim, ambos são adocicados, mas a origem da doçura é distinta. Nos chamados vinhos doces, ela é natural e ultra concentrada por vários métodos de desidratação das uvas como secagem (passito, vin de paile), ataque por botritis, congelamento (ice wine) ou a simples colheita tardia. Devido à desidratação das uvas (perda de água) o rendimentos nestes vinhos é muito menor. Por exemplo, a produção de 1 litro de ice wine requer 10 vezes mais uvas que seriam necessárias na produção de um vinho normal. Tais vinhos são portanto raros e caros. Já o vinho suave é brasileiro é um vinho simples que recebe adição de açúcar, resultando levemente adocicado. É fácil de ser bebido e agrada a muitos paladares. A adição de açúcar também mascara e disfarça imperfeições no vinho, como o faz com cafés, sucos e quaisquer outros alimentos. Por esta razão, é normalmente empregada em produtos de menor qualidade.
Saiba mais sobre vinhos suaves aqui e sobre vinhos doces e divinos aqui.