Quem curte vinho sabe a bebida vai muito além do básico “suco de uva fermentado”. O solo importa, o clima importa, a variedade (até o clone específico daquela variedade) e, claro, as técnicas empregadas na vinificação. Tudo importa.
Hoje começo uma série de posts com dicas de vinhos que são uma verdadeira aula sobre essas diversas influências. São 5 sugestões para provar e comprovar de vez! O tema de hoje são os solos.
O bom vinho começa no vinhedo – a importância do solo
Essa é uma afirmação muito repetida por enólogos e enófilos, e faz total sentido! Por mais talentoso que seja um cozinheiro, ele não será capaz de produzir pratos saborosos com ingredientes de baixa qualidade – carne dura, verduras velhas e passadas etc.. Da mesma forma, um mal cozinheiro pode transformar ingredientes caríssimos numa gororoba – como aquele filé mignon perfeitamente marmorizado assado além do ponto e que se assemelha a sola de sapato.
Com vinho não poderia ser diferente. Uvas saudáveis e perfeitamente maduras são a matéria prima com que o enólogo trabalha, e o solo – sua composiçao química e física – o alimento com o qual as videiras trabalham para produzir seus frutos.
A influência da composição química do solo remete à controversa “mineralidade” – em moda entre amantes do vinho e sobre a qual não pretendo debater aqui (para argumentos a favor da mineralidade, vale checar esse podcast, com Marcelo Copello; para argumentos contra, confira esse outro aqui, com Alexandre Lalas. Ouça os podcasts, prove os vinhos e tire suas próprias conclusões.
Solos ricos em Ferro
Parece haver um certo consenso quanto à pasagem do ferro presente no solo do vinhedo para os vinhos, a despeito da controvérsia da mineralidade. A famosa Terra Rossa – solo vermelho graças à presença de ferro – típica de Coonawara, na Austrália e na Puglia, na Itália, é um bom exemplo. O aroma e sabor do ferro se fazem sentir com facilidade nos vinhos dessas regiões (às vezes podem evocar notas de sangue, que também é rico em ferro!).
Sugestões:
- Dai Terra Rossa Trulli Primitivo di Manduria DOP – R$ 166 na World Wine
- TRAPI Hand Made Pinot Noir 2017 – R$167 na Dagirafa
Bônus: confira o produtor Rodrigo Romero contar sobre seu terroir e seus vinhos neste vídeo.
Solos ricos em Cálcio
Aparentemente, solos calcáreos são um presente de Baco para os enófilos. Tem em Champanhe, Chablis, Borgonha, Bordeaux, Rioja, Jerez … todos lugares famosos pela produção de excelentes vinhos.
Sendo técnica (e chata, mas curta!): calcáreo é essencialmente CaCO3 – carbonato de cálcio. Um sal. O Ca2+ (um cátion, a parte positiva do sal) tem capacidade de troca catiônica e pode reduzir o teor de potássio (K+) na baga. Se houver muito K+, os prótons (H+) deixam de equilibrar a carga e a acidez é perdida. No caso dos solos calcáreos, fica dificultada a entrada de K+ na videira, o que contribuí para a manutenção da acidez. Lindo, né? Essa explicação é do @drjamiegoode
(sou fã e recomendo!)
Para nosso deleite, a vizinha Argentina é rica em solos calcáreos, vinhos incríveis têm vindo de lá.
Sugestão
- Cadus Tupungato Malbec R$ 232,24 na Imigrantes Bebidas
Prove e, caso o vinho não te lembre da sua professora primária preferida e do giz que ela usava para escrever no quadro negro, pode reclamar comigo!
Solos pobres em tudo – solos vulcânicos
É sabido que os bons solos pra vinhos são sempre pobres. A dificuldade em obter os nutrientes necessários limita o vigor da videira e acaba concentrando as energias em poucos e mais gordos bagos. Comentei acima como a concentração de Cálcio ou Ferro podem afetar as uvas e o vinho com elas produzido, mas é interessante notar como a falta generalizada de minerais também atua produzindo vinhos interessantíssimos.
Essa, aliás, é uma nova moda entre enófilos: os solos vulcânicos. Se você pensou nas recentes imagens do vulcão em erupção nas ilhas Canárias que circularam na mídia, acertou. Aliás, uma das minhas dicas nesta seção vem justamente de lá.
É claro que não estamos falando aqui de vinhedos plantados sobre a lava recém solidificada, um terreno inóspito demais para sustentar qualquer tipo de vida. Mas, dado tempo suficiente, esse terreno rochoso e sem vida pode passar a sustentar algumas poucas videiras, que produzirão frutos ricos e concentrados. Muito “minerais”, segundo alguns.
Sugestões
- Thalìa Etna Rosso DOC – Tenuta di Aglaea – R$ 259,00 na Wines4U
- Bermejo Malvasía Seco D.O. Lanzarote – 100% Malvasia Vulcánica, plantadas literalmente em buracos escavados no solo negro, quase lunar , de La Geria, que produzem 1ton/ha – sem distribuição no Brasil (ainda)
Bônus: O Thalìa, além de vir da região aos pés do recentemente ativo Etna, tem como bônus ser produzido 100% a partir de Nerello Mascalese, uva tinta autóctone da Sicilia.
Os vinhos sugeridos neste artigo pertencem a uma categoria de preços mais “arrojada” por razões como a baixa produtividade e da produção artesanal. A ideia principal dessa seleção é “provar os solos” e sua influência nos vinhos. Nos próximos artigos da série pretendo explorar as variedades de uvas e será possível sugerir versões mais econômicas dos vinhos.