E no meio do caminho, tinha um vinho – ou vários! Um papo com Deus e ótimos vinhos na peregrinação pelo Caminho de Santiago.
O caminho do mago
Aprimeira vez que ouvi falar em Caminho de Santiago foi no livro “O diário de um mago”, de Paulo Coelho. Lá o escritor conta suas andanças pelo Caminho Francês – a mais famosa das rotas de peregrinação que conduzem fiéis e (e à toas, como eu) à cidade de Santiago de Compostela, onde supostamente estão enterrados os ossos do apóstolo Tiago. Digo “supostamente” porque os mais provável é que o Caminho tenha se apropriado da tradição celta de caminhar até Finisterre – o fim da terra – 5 dias de caminhada além de Santiago e no “fim” do continente, onde havia uma espécie de Stone Henge chamado Aras Solis onde se adorava o Sol.
Após a dominação, os romanos passaram a rota e incrementaram a percorrer a rota e queimar as roupas ao concluí-la, num sinal de renascimento. Daí para a apropriação pelo cristianismo foi uma esticadinha. Não foi a primeira nem a última. Nada disso é comprovado, mas eu conto mais detalhes no podcast. Confira aqui.
Todos os caminhos levam a Santiago, mas nós vamos pelo Francês
Por ser rota de peregrinação, o importante sendo chegar a Santiago, vários são os caminhos possíveis, mas o mais conhecido (e comercialmente explorado) é o chamado CAMINHO FRANCÊS, que sai de Saint Jean Pied du Port – aos pés dos Pirineus no País Basco francês, atravessa as montanhas e cruza a Espanha de leste a oeste, passando por tradicionais regiões produtoras de vinho. Ao todo são cerca de 800km a serem percorridos. A maioria do povo vai a pé, mas tem peregrino que vai de bike, a cavalo e dá pra fazer de carro.Mantida a média de 25km diários, o desafio pode ser concluído em 32 dias, incluídos 2 dias completos de descanso (você vai precisar!).
Um passeio para crentes e turistas comuns
Em 2019, quase 350 mil peregrinos carimbaram o passaporte na Catedral de Santiago. Nem todos chegaram pelo Caminho Francês e nem todos andaram 800km. É possível fazer o percurso em partes e nem é preciso fazer o percurso todo. Mais interessante: a grande maioria não faz por razões religiosas (conclusão minha, baseada no percentual de peregrinos que recebeu a hóstia na missa que assisti). Encare como uma oportunidade de fazer atividade física, passear (quando liberar), conhecer lugares, histórias pessoas e – claro – vinhos!
Os vinhos do Caminho
O Caminho de Santiago começa e termina em regiões produtoras de vinhos. No podcast percorro cada uma delas em detalhes históricos, turísticos e gastronômicos. Por aqui deixo só uma canjinha, senão seria uma leitura muito longa. A parte boa é que as dicas são de produtos disponíveis no Brasil.
País basco francês
Embora sejam produzidos por aqui desde o século 3, os vinhos da região não são muito difundidos e o idioma (euskera) dificulta – pense em vinhos de Bordelesa Beltza, Axeria e Axeria Handia (Tannat, Cabernet Franc e Cabernet Sauvignon, respectivamente).
A AOC de vinhos mais próxima é Irouleguy – na cidade de mesmo nome. Os vinhedos ficam em terraços (a região é montanhosa e linda de doer!). É necessário carro para se locomover de uma cidade a outra, e recomendo explorar a região antes de começar sua peregrinação (não se preocupe: compras podem ser despachadas no “expresso peregrino”).
A cidade de Espelette, com suas janelas enfeitadas com as pimentas Espelette DOC, é imperdível.
País Basco espanhol
Bem mais basca que vizinha francesa, berço do ETA (movimento separatista basco Esukadi Ta Askatuna – em português, “Pátria Basca e Liberdade”, que terminou conhecido pelo terrorismo mas começou como um movimento cultural), o País Basco espanhol tem como capital a charmosíssima Donostia, que ostenta o título de local com maior concentração de estrelas Michelin do planeta e abriga o lindíssimo Museu Guggenhein em Bilbao.
As bebidas típicas da região são Txakoli – branco, com borbulhas e baixa graduação alcóolica – e as cidras.
Para provar:
- MANUSCRITO TXAKOLI DE ALAVA HONDARRABI ZURI – R$126,92 >>
Não deixe de assistir 8 Apellidos Vascos para entrar no clima.
Essas cidades não estão na trilha percorrida pelos peregrinos e devem ser visitadas antes de a peregrinação começar.
Navarra D.O.
Famosa pelos vinhos rosés, a diminuta região vem buscando uma nova identidade e apostando em tintos de qualidade. O destaque fica com as Bodegas Julian Chivite.
Para provar:
Rioja D.O.C.
Maior e mais poderosa região produtora na Espanha, responsável por 60% da produção de tintos criados do país. Ao entrar na capital, Logroño, o peregrino já pode parar na Bodega Franc-Espanhola. Ali bem na entrada da cidade, às margens do Rio Ebro.
Para Provar:
- Rioja Bordon Crianza 2016 (Bodega Franco Española) – R$ 130,00 >>
- LUIS CAÑAS BLANCO FERMENTADO EN BARRICA 2018 – R$170,70 >>
Vivanco Reserva 2012 – R$ 261,80 >> - Marqués de Riscál Reserva – R$ 259,90 >>
Para visitar:
Enófilos devem considerar uma parada mais longa por aqui, onde há muito a explorar. O casco histórico de Logroño consiste em um punhado de ruas exclusivas para pedestres literalmente recheadas de bares onde se pintxa e consome vinhos por taça por horas. O costume local demanda que os comensais passem a noite pulando de bar em bar, apenas pintxando (petiscando).
As opções por aqui são praticamente infinitas, mas meus destaques são:
- La Tavina: é possível também fazer refeições além de comprar vinhos na loja para levar. Na barra, para acompanhar os pintxos, qualquer garrafa de até 15 euros pode ser aberta e vendida por taça. Eles capricham na seleção de vinhos de autor. Saiba mais
- Umm: na calle San Juan, mais “local”, com a melhor Papa Brava da cidade
- Tastavin: que tal uma taça de Viña Tondónia por 6 euros, acompanhada pelos pintxos mais apetitosos da cidade, com direito a estrelas Michelin? Na calle San Juan, a 100m do Umm
Vinícolas de design:
Algumas das vinícolas mais estilosas do mundo estão aqui na região. Destaque para Bodega Ysios, Marqués de Riscál e Vivanco, com um museu incrível.
Hotel na bodega Marqués de Riscál – design de Frank Gehry, do Museu Guggenheim
Bierzo D.O.
Na província de Castilla y Leon. Uma D.O. que anda bem na moda entre o pessoal mais trendy de vinho. A região fica no vale do rio Sil, protegida pelas montanhas tanto do rigor seco da meseta espanhola quanto dos ventos úmidos do atlántico que já tá ali pertinho e que maltrata as Rias Baixas. O clima é mais ameno, e os vinhos de Mencia são ácidos e frutados, numa pegada mais elegante.
Para provar:
- Valle del Cúa Mencía – R$ 117,60 (R$88,20 na compra de 6 garrafas. Ótimo negócio!) >>
Para se deslumbrar:
- Ali pertinho mas fora do caminho fica a D.O. Ribera Sacra, conhecida pela vindima mais perigosa do mundo com vinhedos em ladeiras com inclinações que chegam a 100 graus.
Rías Baixas D.O.
Por fim, chega-se a Santiago de Compostela, após uma média de 31 dias camelando – ou peregrinando. E a D.O. Aqui chama Rías Baixas – com “x” mesmo. O dialeto local se aproxima do portugês.
famosa pelos deliciosos vinhos de uva Albariño. É uma região de clima marítimo, forte influencia do Atlântico, muita umidade, pouco sol e 4 subzonas que podem por seus nomes nos rótulos, cada uma com seus vinhos.
Para quem quiser fazer o Caminho de Santiago
Há vários sites e livros que descrevem o caminho, cidade a cidade, com variação de altitude, albergues disponíveis etc.. Eu na época usei um app. Eu caminhei só até Pamplona, que é uma cidade já grande pros padrões europeus. Não sei como é o caminho todo, sei que passa por um platô bem boring após a região da Rioja, com cenário industrial e margeando a rodovia. Vai ficando cada vez mais cheio (e perigoso) conforme nos aproximamos da cidade de Santiago